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As tentações de Jesus no deserto



Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Relatou São Mateus que “Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio” (Mt 4,1). Foi para o deserto que Deus quis conduzir Abrão, Moisés e os profetas para estabelecer com eles uma aliança eterna.

É  ao tempo do deserto que o Deuteronômio faz referência, lembrando o que Moisés dizia ao povo de Israel como Deus o havia feito sair do Egito e o conduzira para um país abundante de leite e de mel e havia, outrossim, falado a seu coração: “A palavra está inteiramente perto de ti, na tua boca e no teu coração para que a coloques em prática” (Dt 30,14).

É este tempo do deserto que São Paulo evoca na carta aos Romanos, interpretando esta palavra como “a mensagem da fé que proclamamos” (Rm 10,8), capaz de salvar aquele que confessa pela sua boca que Jesus é o Senhor e que crê em seu coração que Deus o ressuscitou dos mortos (Rm 10,9). Pois bem, foi no deserto que Jesus  foi conduzido pelo Espírito para triunfar sobre o adversário, como Santo Irineu de Lyon chamava o diabo.

A narrativa das tentações de Jesus, a despeito de sua complexidade, constitui uma página preciosíssima dos Evangelhos. Ela mostra que Jesus “foi experimentado em tudo” como está escrito na Carta aos Hebreus (Hb 4,15), comprovando também a veracidade da Encarnação do Verbo de Deus. A tentação atravessa inevitavelmente toda a vida humana e sem a tentação a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que se fez homem não teria assumido toda a condição humana.

Diz Santo Agostinho que, na sua passagem por este mundo nossa vida não pode escapar à prova da tentação, dado que nosso progresso se realiza pela prova. De fato, ninguém se conhece a si mesmo sem ser experimentado, e não pode ser coroado sem ter vencido, e não pode vencer, se não tiver combatido e não pode lutar se não encontrou o inimigo e as tentações”.

Deste modo, a existência do ser humano nesta terra é uma batalha contínua contra o mal. Trata-se de uma pugna travada no mais íntimo de si mesmo e cuja vitória é o caminho que conduz até Deus. No deserto Cristo viveu e conviveu concretamente esta guerra e sai gloriosamente vitorioso, deixando exemplo magnífico para seus seguidores.

No deserto, reviveu as três tentações do povo de Deus na sua saída do Egito. Na  primeira tentação satanás insinuava a Jesus faminto que transformasse as pedras em pão e lembra o dom do maná (Ex16). Na segunda que Ele se lançasse abaixo do mais alto do templo, numa visível tentação de Deus, como acontecera em Massá e Meribá “em razão da querela dos filhos de Israel  que tinham tentado o Senhor” (Ex 17).

Na terceira o demônio promete todos os reinos do mundo e sua glória, contanto que prostrado Jesus o adorasse, o que remete à adoração do bezerro de ouro (Ex 32). Entretanto no deserto Jesus reviveu também o combate da tentação original do paraíso terrestre: a primeira concerne, com efeito, à alimentação, como foi o caso do fruto da árvore  “no meio do jardim” (Gn 3,3). Cristo vence, falando ao tentador: “Não só de pão vive o homem”. Como bem explicou Santo Irineu, a saciedade que o homem tem para com o alimento foi destruída pela privação que o homem Jesus sofreu neste mundo.

Nesta primeira tentação vencida Jesus contesta o primado do temporal e do econômico que sufocam o cristão e o Mestre divino ensina que não se deve preocupar com o dia de amanhã, mas confiar sempre em Deus, triunfando cada um contra as inquietudes desnecessárias. A segunda tentação visava algo espetacular e Jesus provaria que era realmente o Filho de Deus por mera vaidade. No paraíso o orgulho fez a desgraça de Adão e Eva, mas no deserto a humildade de Cristo triunfa sobre o diabo: “Não tentarás o Senhor teu Deus”.

Desta maneira, estava, o Mestre divino condenando a tantos que estão à procura do milagre por toda parte e com sua soberba querem enfrentar a Deus, exigindo prodígios e mais prodígios, nunca se conformando com a vontade divina. A terceira tentação é a da vontade insaciável do poder, mas Jesus a repele: “Adorarás ao Senhor  teu Deus e só a ele servirás”, mostrando a seus epígonos que não devem se escravizar ao dinheiro, à ambição, ao desejo do domínio, sendo que no paraíso nossos primeiros pais queriam ser como deuses. Tríplice tentação, tríplice vitória de Jesus a concitar a todos a terem como Ele a liberdade perante as imposições satânicas. Apenas assim o cristão será verdadeiramente livre.

O ato de liberdade de Cristo perante o diabo tem o poder de curar o homem da fascinação dos ídolos e de suas ilusões. A narrativa das tentações de Jesus é um convite a cada um para ser um vencedor. O cristão que triunfa sobre as tentações pode ajudar os outros a se tornarem também triunfadores. A exemplo de Cristo e com Ele ninguém pode se deixar aprisionar nas ciladas do inimigo, mas  deve repetir sempre na sua vida o triunfo de seu Redentor.

* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

 


Post date: 2011-03-10 10:34:37
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