Arquidiocese de Mariana
Atingidos pelo Rompimento das Barragens

22/set/2014
Uma parábola singela e esclarecedora

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Neste domingo da Bíblia a liturgia apresenta uma parábola de Cristo singela, mas profundamente esclarecedora (Mt 21,18-32). Aborda, com efeito, o Mestre divino a questão importante da metánoia, ou seja, da transformação fundamental do pensamento ou do caráter, da conversão espiritual sincera. São Mateus expõe uma narração feita por Jesus na qual um pai dá uma ordem a dois filhos. Eles deveriam ir trabalhar na vinha paterna. Um disse que não iria, mas voltou atrás e foi. O outro afirmara que acataria a ordem do pai, mas não a obedeceu. Cristo então coloca a questão aos sacerdotes e anciãos do povo: “Qual dos dois fez a vontade do pai?” A resposta era meridianamente evidente. Surge então uma indagação da parte de um notável hermeneuta: “Porque Cristo propôs um tema tão trivial já que a resposta seria evidente?”

O que se deve levar em conta, explica o mesmo autor, é que Cristo se utiliza desta parábola para esclarecer uma situação de seu tempo, isto é, o acatamento reservado àquele que foi seu predecessor, João Batista. Este exercia o papel de um profeta contra inclusive os erros da sociedade daquele tempo. Eis porque ele propôs um batismo de água a exprimir uma mudança de vida para estar de acordo com uma intervenção iminente de Deus. Jesus o descreveu como alguém que pregava “um caminho de justiça”. Cristo se referia neste caso não a uma justiça a ser feita, mas antes no sentido de uma vida autêntica praticada por uma pessoa transparente que fala a verdade, apresenta boas ações e está adaptada aos desígnios divinos e à sua consciência. Uma pessoa, portanto, fidedigna no pleno sentido da palavra. Aí o paradoxo que Jesus sublinha: os sumos sacerdotes e os anciãos do povo não quiseram prestar atenção ao que dizia João Batista, enquanto os cobradores de impostos e as prostitutas respeitaram o que proclamara o seu precursor. Aceitaram a orientação do Batista, mudaram de atitude, mas os que se consideravam sábios e gente de bem se opuseram a esta conversão interior. Isto demonstra que as pessoas simples e humildes se abrem mais facilmente a uma palavra de esperança a qual torna tudo possível, inclusive a mudança de pensar e agir, enquanto os privilegiados têm sempre receio de perder o que possuem e se apegam a suas tradições, ainda que erradas.

Há necessidade para o ser humano de ir sempre além de si mesmo e querer se transformar para melhor, inclusive deixando para trás um passado negativo que, tantas vezes, é a causa de procedimentos éticos errôneos. Trata-se de um exame sério das influências questionáveis dos parentes, dos amigos, da sociedade na qual alguém foi criado. São as célebres indagações: “Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Que me é licito esperar?” Quando alguém percebe que está no caminho errado e tem coragem de percorrer outras vias e passa a ter uma conduta melhor, este, sim, merece o elogio que Jesus fez aos publicanos e prostitutas convertidos. É necessário o desapego total dos vícios e do pecado em geral para bem conhecer Jesus de Nazaré, cujas veredas João Batista estava a preparar. É o que se dá com tantos cristãos que continuamente crescem na santidade e com inúmeros convertidos que inteiramente se transformam, deixando as falsidades e ilusões terrenas contrárias às leis divinas.

Um dos jovens da parábola de hoje pensou, refletiu, viu que estava se enganando e obedeceu ao pai. Isto oferece uma mensagem de esperança, dado que a conversão é sempre possível e nunca é tarde para mudar uma atitude transviada do bem. Deus dá oportunidade a todos para ter a felicidade indizível de deparar a liberdade interior. Cristo deixa claro que o arrependimento é a chave de tudo isto, mas remorso fruto de uma postura corajosa e cheia de confiança na misericórdia de Deus. É necessário então imitar sempre o filho que voltou atrás e foi trabalhar na vinha do pai. Para todos é preciso a reforma interior de que fala São Francisco de Sales. Não basta modificar as estruturas e elaborar as melhores estratégias pastorais. Tudo isto poderá ficar estéril, se não há o cuidado de levar as pessoas à conversão pessoal devido a um grande amor a Cristo. Conversão do coração. Aí está um ponto capital para que haja o anúncio do Evangelho. Do contrário, como acontecia com os sumos sacerdotes e anciãos do povo, que não se converteram com a ação de São João Batista, também muitos continuarão a não aceitar a Cristo.

Não são as táticas exteriores que, em si, levam a uma evangelização eficiente, mas a conscientização do cristão que está à porta do seu próprio coração e se dispõe a seguir o Mestre divino em tudo. Há dentro de cada um pensamentos contraditórios. Cumpre, a exemplo do jovem da parábola de hoje, discernir sempre o que está certo ou não, a fim de atender a ordem do Pai, indo para trabalhar na sua vinha.

*Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.