O contraste que há entre as leituras do Apocalipse (11,9.12,1-3) e do Evangelho (Lc 1,39-56) apresentadas na Missa da solenidade da Assunção de Maria aos céus merece reflexão e tem uma instrutiva explicação. Passa-se, com efeito, de Maria de Nazaré, a humilde serva do Deus Altíssimo, à mulher revestida de sol e coroada de doze estrelas, descrita por São João. Esta transformação, porém, tem seu esclarecimento nas palavras de Isabel: “Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento das palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor”. O Papa Francisco assim se expressou na sua Encíclica Lumen Fidei: “A Mãe do Senhor é o ícone perfeito da fé. [...] Na Mãe de Jesus, de fato, a fé trouxe todo o seu fruto”. A razão pela qual a fé de Maria teve efeito tão extraordinário foi dada pelo mesmo Papa: “Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus foi endereçada a Maria e ela a acolheu com todo o seu ser, no seu coração” Ela, realmente, se imergiu inteiramente na mensagem que o Arcanjo Gabriel lhe trouxera da parte de Deus. O “sim” de Maria foi sem condições e sem tergiversações, sem cláusulas restritivas, segundo alguns comentaristas foi um cheque em branco passado a Deus. A plenitude da fecundidade de sua fé se liga à culminância de sua adesão à vontade divina. Por isto grande é o júbilo que se apossa de todos os fiéis ao contemplar a Virgem Fiel indo de corpo e alma para o céu, antecipando o que se dará a todos que acreditaram na palavra salvadora vinda de Deus. Trata-se de um gaudio fundamentado nesta realidade sublime: a Assunção de Maria prefigura a ressurreição futura daqueles que viveram e vivem em função de tudo que Deus revelou. Estes estão destinados ao mesmo itinerário da Rainha triunfante, cujo coração foi trespassado pela espada de dor profetizada por Simeão. Maria está então a lembrar a seus filhos que a glória passa sempre pela cruz deste exílio terreno, contanto que seja carregada com paciência, olhos voltados para a eternidade. Como bem se expressou o Frei João-Alexandre do Cordeiro, isto significa uma livre resposta de fé à proposta vantajosa do Deus de amor! Este Deus, contudo, exige uma doação integral de todo o ser a Ele como ocorreu com Maria. Apenas assim a graça divina pode realizar maravilhas na vida dos cristãos, sendo tudo em todos.Todos modelados inteiramente pelo amor de Deus como aconteceu com a Virgem Santa. Esta é a mensagem fulcral da solenidade deste dia, convidando a todos a deixar se transformar pela graça celeste sem óbices e dubiedades, sem qualquer indocilidade. Com coragem lutando pela justiça contra toda injustiça, levando ternura lá onde há incompreensão e violência, tudo dulcificando pelo afastamento do desprezo e da indiferença. Enfim, uma pugna constante contra o dragão do pecado sob todas as suas manifestações. É a batalha constante entre as forças da luz e as forças das trevas. De um lado os que temem a Deus, os humildes de coração, os famintos das realidades espirituais e de outro lado os soberbos, os adoradores das riquezas, os opressores. O destino dos bons, porém, está traçado na solenidade de hoje, ou seja, um dia, a exemplo de Maria, ir para a Casa do Pai, para a glória do céu. Ela nos precedeu e a todos aguarda na outra margem da vida. Ela é o sinal de toda nossa esperança. A felicidade que Deus um dia deu a ela, por ela e com ela, Ele quer para todos os que Lhe são fiéis como esta Mulher Bendita. Nesta solenidade de hoje a fé fica reavivada, intensificado o liame com o divino Redentor e pulsa maior forte o anelo de caminhar com destemor para a Jerusalém celeste. Como bem se expressou São Bernardo, Maria a irmã de Lázaro ofereceu a Jesus a hospitalidade sob seu teto, Maria a Mãe do Salvador, o albergou no apartamento nupcial de seu seio, podendo afirmar que “Aquele que me criou repousou no meu tabernáculo” (Ecl 24,12). Foi por isto que como Filho agradecido Jesus, logo depois que a morte visitou sua mãe a ressuscitou e a levou de corpo e alma para o céu e lá ambos estão a nossa espera.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.