Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Aos Apóstolos Jesus deixou clara sua identidade, ou seja, Ele era o Messias sofredor (Mt 16,21-27). Ao anunciar sua paixão, desfazendo definitivamente todas as ilusões de um messianismo terreno de caráter político, a reação de São Pedro foi intempestiva: "Deus te livre de tal coisa, Senhor! Isto não te acontecerá”! Recebeu de imediato a repreensão do Mestre divino: “Retira-te de mim satanás, tu és para mim pedra de escândalo, pois não tens o senso das coisas de Deus, mas das coisas dos homens”. Através dos tempos muitos seguidores de Cristo agem à maneira petrina, querendo enquadrar Deus em seus pobres moldes mentais, desejando impor ao Senhor Onipotente as evidências humanas. Jesus, contudo, não deixou margem a dúvidas: “Quem quiser vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. É preciso que o cristão esteja unido a Ele pela cruz. Empregou uma linguagem dura para o ser humano que é propenso a fugir de todo esforço e almeja uma vida sem sacrifício, quer sempre rosas sem espinhos. Pedagogo inigualável Ele veio ensinar a seus discípulos a transformar as agruras da existência em pérolas para a eternidade. Assim sendo, tomar a cruz e segui-lo seria motivo de consolação. Deu a explicação: “De que servirá ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” É então necessário a cada um ultrapassar seus limites, sua fraqueza, sua incapacidade, seu comodismo porque nesta superação consiste carregar a cruz de cada dia. Esta é uma maneira superior de viver sem se acomodar às quimeras que o mundo oferece, utopias que deixam após si a desilusão, o vazio existencial, o remorso. Não se chegará nunca ao céu sem lutas, renúncias, aderindo-se às exigências do Evangelho. Na cruz de Cristo está o encontro sublime do humano e do divino, pois quem bem compreende a mensagem do Messias sofredor sabe que as lágrimas humanas de si não têm valor algum, não passam de amarga água, se uma fé profunda na eternidade feliz não as valoriza. Há na existência de cada ser humano momentos de indizíveis tristezas. As mesmas lutas que recomeçam cada dia. A maldade que campeia pelo mundo. A morte, as catástrofes e tantas pessoas amadas que se vão, tudo isto causa dor e pesar. Quando nada externo já não perturba o ser humano, no mais profundo de si mesmo, que turbilhões que fontes de aflições! Entretanto, quem tem os olhos voltados para Aquele que carregou sua cruz até o Calvário possui dentro de si uma força maravilhosa e não desanima nunca. É que o verdadeiro cristão sabe que felicidade completa é só junto de Cristo na Casa do Pai. Ele nos chama a tudo superar envoltos na mais reluzente esperança. Felizes os que sabem seguir Cristo no mistério de sua vida e de sua paixão dolorosa. Viver com sabedoria neste vale de lágrimas que é terra de exílio é, amparado pela força divina, coexistir pacientemente com as preocupações, as tensões, as surpresas desagradáveis que surgem. Tudo que acontece está nos planos sapientíssimos de Deus e deve contribuir para a plena realização do seguidor do Evangelho. Ascese e vigilância são as condições para assumir a própria cruz e acompanhar Jesus. Deus não é um satélite do homem, nem é um Senhor de tudo para simplesmente estar a satisfazer os desejos mesquinhos de um ser finito, limitado. A cada um foi dada a inteligência e a liberdade e lhe são oferecidas todas as graças para conquistar um Reino eterno. Não se pode querer um Cristo sem a cruz. Muitos desejam a Betânia sem o Calvário, as Bem-aventuranças sem a abnegação, a salvação sem a observância integral dos mandamentos. Não se pode querer um céu sem a cruz da realidade do cotidiano, isto é, dos sofrimentos físicos e morais, do peso da carga dos deveres, da preocupação com as pessoas pelas quais se é responsável. Cumpre, porém, olhar menos as cicatrizes que a vida vai deixando na trajetória pessoal e valorizar as árduas conquistas da prática das virtudes. Quem age, seguindo os passos de Jesus, é, entretanto, tomado de uma inefável paz interior, a qual é a mais deliciosa das sabedorias. Cristo fez uma promessa aos que Lhe forem fiéis: “O Filho do homem virá na glória de seu Pai com os seus anjos então retribuirá a cada um segundo as suas obras”. Pensemos nisto e a cruz cotidiana será menos pesada e nunca se deixará de seguir Jesus.
* Professor no Seminário de Mariana, durante 40 anos.