A piora em indicadores ligados aos povos indígenas como o aumento da mortalidade infantil, o aumento de óbitos e suicídios no ano de 2016 só revelam, na prática, o que o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, lançado, dia 5 de outubro, pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), caracteriza como ofensiva anti-indígena, estratégia que soma forças no Executivo, no Legislativo e no Judiciário e avança sobre os direitos indígenas, inclusive os direitos já conquistados pela Constituição de 1988.
Dom Leonardo Steiner, bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB, na abertura da Coletiva de Imprensa, realizada na sede da entidade, disse que é necessário aprender com os povos indígenas que ajudam a colocar em prática a Laudato Si, encíclica do Papa Francisco sobre o meio ambiente e por meio de seus cantos e tradições ajudam a preservar a cultura do Brasil. “A CNBB, por meio do CIMI, lança este relatório anualmente. Estes problemas da violência, das demarcações, entre outros, já deveriam ter sido resolvidos”, disse.
A liderança indígena do povo Gavião, do Maranhão, Maria Helena denunciou o que para seu povo é a maior violência que sofrida por povos indígenas. “A maior violência que sofremos é a não demarcação das terras”. Segundo o relatório, apenas 37% do total de 1.296 áreas indígenas no Brasil, foram demarcadas até 1996. Entre elas, a área indígena Raposa Serra do Sol, situada a nordeste do Estado de Roraima. Representantes destes povos estavam no ato de lançamento do relatório.
O relatório denuncia o que segundo um de seus organizadores, o missionário do CIMI, Roberto Liebjott, chama de ofensiva contra os direitos dos povos indígenas. O governo da presidenta Dilma Rousseff é classificado, no documento, como um governo omisso por não registrar nenhuma demarcação de terras indígenas, por exemplo. Já no governo de Michel Temer, diz o relatório, há um processo em curso de ofensiva, articulado com a bancada ruralista do Congresso Nacional, que busca retirar direitos já conquistados na Constituição de 1988, cujo aniversário de 29 anos de promulgação se celebra no dia 5/10, dia escolhido para lançamento do relatório do CIMI.
“Um exemplo que demonstra esta estratégia no executivo foi o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Nacional de Regularização Fundiária (Incra) que buscou caracterizar avanços constitucionais como frades e também dizer que o processo de demarcação da terra Raposa Serra do Sol, além de lideranças que lutam pela causa indígena”, disse o organizador do relatório.
Dois outros processos em curso, que o relatório registra, é a atuação de milícias para-militares e o avanço de madeireiras em áreas indígenas já demarcadas. Como é o exemplo, apresentado aos jornalistas, da terra Karipuna, no Estado de Rondônia, já homologada mas aguardando a demarcação. Segundo os dados, apresentados por uma de suas lideranças em vídeo na Coletiva de Imprensa, 1.045 hectares de árvores dentro da terra já foram derrubados.
Segundo o arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do CIMI, dom Roque Paloschi, mais que chamar a atenção para os dados que o relatório sistematiza, é necessário ao olhar para a alegria dos povos indígenas do Brasil, caminhar com eles e clamar por justiça ao seu lado”. O bispo leu um trecho da encíclica Laudato Si, na qual o papa Francisco, diz que os povos aborígenes devem tornar-se os principais interlocutores frente a projetos que alteram seus territórios. O bispo pediu à presidência da CNBB que o relatório seja entregue ao papa. “É vergonhoso que um país de maioria Cristã, como o Brasil, veja tanto desrespeito aos povos indígenas e que seu Executivo, Legislativo e Judiciário não cumpra o que sua Carta Magna prevê”, disse.
Cartografia dos Ataques Indígenas
O relatório é fruto do trabalho de sistematização de muitas frentes de trabalho como lembrou um de seus organizadores presentes no lançamento, o Roberto Liebjott. “Contamos com dados sobre as próprias vítimas, dos povos indígenas e de organizações que os representam, bem como o trabalho dos missionários do CIMI que atuam em diferentes regiões do país”, disse. Todo trabalho, sistematizado e consolidado pelo Setor de Documentação do CIMI, passa por uma criteriosa revisão jurídica e depois tem um tratamento mais didático pela equipe de comunicação. A organização do relatório é supervisionada pela antropóloga Lúcia Helena Rangel.
Outro trabalho que está sendo consolidado pelo CIMI, a partir de 2017, é a plataforma Caci, palavra que em Guarani significa “dor” e forma a sigla de Cartografia dos Ataques contra Indígenas (Caci). Desenvolvida pela Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com o Armazém Memória e InfoAmazonia, a CACI georreferencia dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no mapa brasileiro.
Fonte: CNBB