Marcos, no capítulo sexto do seu Evangelho, narra duas cenas profundamente paradoxais, que a Bíblia Edição Pastoral identifica como o banquete da morte e o banquete da vida.
O segundo revela uma cena comovente de compaixão ativa. Os apóstolos voltam felizes e exaustos da missão. Estavam sem tempo até para comer. Jesus tem compaixão deles e os chama a um lugar tranquilo para descansar e refazer as forças. Tomam um barco e partem. Porém, quando chegam do outro lado do lago avistam uma imensa multidão de gente faminta. Com fome de comida, de atenção, de carinho, de cuidado. Pareciam “ovelhas que não têm pastor” (v. 34).
Jesus esquece o cansaço e vai falar com o povo. Alimentar seu espírito. Começa a lhes “ensinar muitas coisas”. Para ele, a instrução é tão necessária quanto a comida. Mas chega um momento em que a fome do povo aperta. Os discípulos ficam preocupados. É preciso despedir o povo pra que vá “comprar” comida. Jesus os repreende: o povo não precisa ir embora e, muito menos, ‘comprar’. Há outro caminho. Vocês podem fazer isso (v. 37). É só recolher o que cada um tem e partilhar de maneira igual com todos.
Para isso, é importante que ninguém guarde para si o que tem. Coloquem tudo em comum. E que o povo se organize em grupos (v. 39). Jesus abençoa o gesto da partilha. Todos comem à vontade. E sobrou muita coisa. Um verdadeiro milagre. Não o de cair pão do céu, mas o de ajudar o povo a superar o egoísmo e exercitar a solidariedade organizada.
O banquete da morte é bem diferente. Herodes é um rei tirano, prepotente, insensível. Resolve fazer um banquete daqueles para festejar o próprio aniversário. Convida “os grandes da corte, os oficiais e os cidadãos importantes da Galileia” (v. 21). Nada de gente simples. Certamente usando o dinheiro tirado dos pobres. Farta-se e se embriaga com os grandes, enquanto o povo está lá fora “ralando” e João Batista sofrendo atrás das grades. Justamente porque tinha enfrentado o rei, mostrando a ele que não lhe era permitido viver uma situação de adultério e infidelidade com a própria cunhada.
A filha de Herodíades - que ele tomara do irmão, entrou, dançou e fez bonito diante dos convidados. Todos ficaram encantados. Também Herodes que, certamente já tomado pela bebida, prometeu a ela dar o que pedisse, mesmo que fosse metade do reino.
Ao saber disso, Herodíades não perdeu tempo: “peça a cabeça de João Batista”. Herodes se assusta. Não imaginava isso. Mas como voltar atrás?! Ele é o rei, é poderoso, não pode passar a imagem de um homem sem palavra. Mesmo que isso custe a vida de alguém. E João é decapitado...
Fico pensando que tudo isso tem muito a ver com a situação em que vivemos no Brasil. Um país onde muitos trabalham sério, procuram ser honestos, pagam seus impostos. Muitos lutam pela vida, pela justiça, pela dignidade. Muita gente se preocupa com o próximo.
Por outro lado, vemos autoridades que se dizem católicas, uma expressiva bancada do Congresso que que se apresenta como “evangélica”, sem o menor escrúpulo de explorar e massacrar o povo mais simples. É revoltante ver um presidente que, acusado por crime de obstrução de justiça, distribui milhões e milhões de reais, que não são dele, que pertencem ao povo, para justamente comprar a obstrução da justiça. Muitos parlamentares que, em vez de defenderem os direitos dos cidadãos, simplesmente ignoram e zombam dos seus eleitores para encher os próprios bolsos e salvar a pele de bandidos. Juízes com salários exorbitantes, pagos com o dinheiro público, e não conseguem fazer valer a justiça esperada pelo povo. Cada dia, direitos conquistados com suor e sangue ao longo de anos são rasgados como se fossem nada.
E assim, com o apoio e incentivo de empresários e da grande mídia, um presidente que tem 3% de aprovação, não só se mantém firme no poder, mas se dá o direito de esfolar a Nação e enriquecer mais ainda uma elite exploradora e sem qualquer compromisso com nosso País.
Enquanto um pequeno grupo se banqueteia e se embriaga, uma enorme multidão sofre. Enquanto uns poucos enchem os próprios bolsos e engordam suas contas bancárias, o povo é roubado sem piedade. Enquanto o espetáculo das novelas e do futebol mantém o povo entretido e alienado, os espertalhões assinam papéis e assassinam a Constituição.
Pe. José Antonio de Oliveira