Temos vivido no Brasil, e também em muitos outros países, um tempo conturbado. Uma onda perigosa de conservadorismo, crescimento do autoritarismo e do centralismo, trazendo como consequência o enfraquecimento da verdadeira democracia e da liberdade. No meio de tudo isso, assusta a apatia e indiferença da grande maioria. Quase não se percebe uma reação organizada e consciente aos desmandos e à prepotência de alguns. É como se a população estivesse anestesiada.
Mesmo na Igreja, ou nas Igrejas, cresce a tendência ao devocionismo, à busca de uma religião mais intimista, mais voltada para o eu, para a emoção, para o sentimentalismo, em vez da fé como adesão ao projeto de Jesus Cristo e compromisso com a vida, com a justiça, com o coletivo. O que atrai é muito mais aquilo que me faz bem, quando deveria ser, também e sobretudo, aquilo que me leva a fazer o bem.
Agora começa um novo ano. É comum a gente associar esse período à esperança, a novas perspectivas. Como canto Milton Nascimento: “renova-se a esperança”. Claro que as coisas não mudam por si. Nós é que podemos mudar as coisas. Não basta desejar um “ano bom”. Ele será igual ao que termina. Nós é que poderemos torná-lo melhor.
Como dizia Rubem Alves, não se trata de otimismo, porque não temos motivos para ser otimistas. Mas o primeiro passo é justamente superar o pessimismo. E acreditar no potencial de transformação que nós possuímos. Sobretudo quando somos movidos pela fé. Pela verdadeira Fé. Associada a uma fundada Esperança, ela nos ajuda a superar o desânimo, o cansaço, a apatia; e a lutar por nossos ideais. Essa esperança não é ingenuidade. Não se trata de “tapar o sol com a peneira”, ou fazer de conta que está tudo bem. Não dá pra entregar nas mãos de Deus e esperar que Ele faça. “Quem espera nunca alcança: você tem que procurar”, canta o Grupo Temucorda.
A nossa esperança, dizia Paulo Freire, não vem do verbo ‘esperar’, mas de ‘esperançar’. Não significa aguardar de braços cruzados, ou esperar que os outros resolvam. É a atitude de quem vai em busca, de quem luta, ousa, assume. O povo costuma dizer que é palavra de Deus: “Faz a tua parte que eu te ajudarei”. Eu nunca vi isso na Bíblia com essas palavras. Mas o espírito do texto bíblico é justamente este: Deus está por trás e na frente de tudo. Sem Ele não somos nada. Mas Ele nunca age sozinho. Sempre pede a nossa participação. É o que ensina São Tiago: “A fé sem obras é morta” (Tg 2,26). E podemos completar: a esperança sem compromisso é ilusão.
Não temos motivos para qualquer otimismo. Mas temos fé e esperança suficientes para prosseguir. As perspectivas são bastante sombrias para o ano que começa. Mas cristã(o) não pode jamais desanimar. Muito menos se acomodar. Então, fica para nós o desafio teimoso de Cora Coralina: “Desistir? Já pensei seriamente nisso. Mas nunca me levei realmente a sério. É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço em minhas pernas. Mais esperança em meus passos do que tristeza nos meus ombros. Mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”.
Pe. José Antonio de Oliveira