Jesus tentado no deserto

15/02/2018 às 07h59

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Com o primeiro domingo da quaresma inicia-se a caminhada para a Páscoa e a liturgia mostra Jesus tentado no deserto (Mc 1,12-15). A quaresma é um tempo propício para aprofundar toda a beleza e a força da fé cristã. Juntos caminhamos para o maior dia do ano, a fim de celebrar a Ressurreição de Cristo, vitorioso sobre a morte, imortal e impassível. É um convite para viver um tempo de um deserto salutar, visando total fidelidade a Deus. São Marcos registrou com precisão os dias nos quais Jesus ficou num lugar isolado, mas não desceu a pormenores sobre as tentações audaciosas de satanás, como o fazem os outros evangelistas. São Marcos vai sempre ao essencial dos fatos e neste caso sublinha que em torno de Cristo se renova a aliança com a criação ferida desde as origens pelo pecado de Adão, aliança dos anjos, do homem, do mundo animal e de toda a natureza, Eis o que flui de um texto sintético, mas de grande densidade teológica. De plano é de se notar que o Espírito conduz Jesus ao deserto. Bem sabemos que no Antigo Testamento o envio a uma região desabitada é rico de sentido, por ser ele um lugar de provação e também de encontro da alma com Deus. Lemos no Profeta Oséias: “Eis porque, diz o Senhor, eu a vou seduzir e a conduzirei ao deserto e falarei a seu coração” (Os 2,14). É do deserto que uma voz clama: “Preparai os caminhos do Senhor” (Mc 1,3). Jesus ficará 40 dias isolado, como outrora os israelitas levaram 40 anos para chegar à terra prometida. 40 dias foi o tempo que levou o Profeta Elias para aproximar-se da montanha do Senhor, o Horeb (1R 19,8). Jesus vai para um ambiente ermo não somente para ser tentado pelo demônio, mas também para celebrar a aliança com seu Pai e daí sair para cumprir sua missão. Apesar do tumulto de um mundo agitado no qual o cristão se vê bombardeado não apenas pelo ruído que lhe vem de toda parte, mas também pelo sem número de mensagens que lhe chegam através dos meios de comunicação social, é preciso momentos de silêncio, criando um espaço que seja um refúgio salutar. Quer numa Igreja, ou no recanto de uma casa, ou numa caminhada em lugares nos quais reina a tranquilidade se pode deparar um clima que favoreça o contato íntimo com o Criador. No silêncio se descobre Deus e se acha um mundo imenso em si mesmo. Então se pode adorar e bendizer o Ser Supremo. O contato com a natureza é um caminho até Deus. Aliás, São Marcos diz que Cristo naquela quarentena vivia com os animais silvestres. Isto evoca inclusive a realização das promessas messiânicas do profeta Isaías: “Habitarão juntos o lobo e o cordeiro [...] As feras “não causarão mal nem dano algum, em todo o meu santo monte” (Is 11 6.9). Com Jesus, o Messias, se instaura uma nova harmonia entre o homem e a criação, a paz do paraíso perdido. Jesus é o novo Adão que veio para oferecer a restauração da criação outrora ferida pelo pecado. Mensagem sublime tão bem vivida por São Francisco de Assis que nos legou o seu belíssimo “Cântico das criaturas”. Por tudo isto é preciso acolher o brado joanino que ecoa na quaresma: "Completou-se o tempo e está próximo o reino de Deus, fazei penitência e crede na boa nova” (Mc 1, l1). No deserto Jesus enfrentou vitoriosamente o diabo, mostrando a seus seguidores ser na oração longe do bulício do mundo que o fiel vencerá sempre as insídias satânicas. Fortalecidos na união com o Mestre divino cumpre entrar no cambaste da fé para encontrar a paz da nova criação do paraíso reconquistado por Cristo. Imerso na presença divina o cristão prossegue neste mundo a obra de salvação iniciada por Jesus em cada coração. Assim como Cristo no deserto, o cristão é destinado a partilhar a doce harmonia da criação reconciliada no Reino de Deus, instaurado pelo Redentor. Isto concretizado na existência de cada um que compreende que o Redentor deseja salvar da desgrça do pecado num triunfo ininterrupto contra satanás. A vocação do cristão como membro de Cristo consiste em vencer sempre o inimigo com a ajuda da graça, Neste tempo quaresmal iniciado com tão belas lições legadas por Jesus no deserto o pensamento deve se voltar para a coroa da vida eterna que está reservada para todos que imitarem o Mestre vitorioso. Virão as tentações, mas todas serão superadas com fidelidade e amor, pois Jesus deixou a todos o exemplo a ser imitado.

* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


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