Acolher a misericórdia divina

06/03/2018 às 16h01

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

São João com precisão admirável mostrou em que consiste a misericórdia divina: “Deus tanto amou o mundo que lhe deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). São Paulo explicou a razão pela qual tão grandioso foi este amor: “Deus é rico em misericórdia”, afirmou este Apóstolo aos Efésios (Ef 2,4). Acolher a clemência do Senhor Onipotente é receber a graça da remissão dos pecados e de suas terríveis consequências. O olhar arrependido dirigido a Cristo crucificado abre as portas da comiseração de Deus. É o aproximar-se da luz, reconhecendo as próprias faltas, envolvendo-as num arrependimento sincero e retribuindo amor com amor. Isso se torna possível pela fé que mergulha o ser humano no oceano infinito da indulgência do Pai celeste. Felizes os que correspondem ao dom que o Ser Supremo lhe oferece. Discernindo entre o bem e o mal, o ser humano através da força da graça, usando sabiamente sua liberdade, pode se arrepender de suas iniquidades, confiado na paixão e morte de Jesus. Verifica-se então a passagem do erro para a verdade que se encontra no amor trinitário. O cristão passa a possuir uma visão espiritual adequada e caminha nas veredas da salvação. Encontra, deste modo, a graça da fé que cura e salva. O coração humano passa a produzir verdadeiros frutos de justiça para consigo mesmo, para com Deus e o próximo. Realiza-se a obra de renovação do homem segundo a imagem de Jesus Cristo. No dizer de São Paulo isto consiste no despojamento da vida anterior, do homem velho, que vai se corrompendo ao sabor das paixões enganadoras. Realiza-se também na procura da renovação do espírito, bem como no revestimento do homem novo criado à imagem de Deus na justiça e na santidade verdadeira (Ef 4,22-24). É a maravilha que ocorre com quem procura viver em estado de graça na qual se cresce pelos sacramentos e pela prática das virtudes. Vida divina que palpita no mais íntimo de cada um e que tende a manifestar-se no exterior para levar a muitos o senso da beleza da misericórdia do Deus de amor. Tudo se transforma então em manifestação deste amor, iluminando o mundo. Donde a veracidade do que disse Elisabeth Leseur: ”Uma alma que se eleva, eleva mundo inteiro”. Esta é a dinâmica da salvação oferecida em Cristo. Apesar da fraqueza humana o bem pode ser disseminado nesta terra. São Paulo pôde proclamar: “Eu tudo posso naquele que é a minha fortaleza” (Fl 4,13). O cristão recebe assim a luz do Senhor para fazer obras luminosas. Venturoso aquele que faz a experiência da misericórdia divina e que degusta a doçura da presença de Deus em sua vida, caminhando sempre para o fulgor da santidade. Este caminho do Senhor se torna mais visível na proporção em que há o diálogo com Ele apesar toda a fraqueza humana. Um simples olhar para a Cruz de Jesus, um ato de arrependimento, um desejo de ser bom reanima todo o ser humano e lhe oferece capacidade de amar de uma maneira nova a Deus, a si mesmo e aos outros. Trata-se, assim, de uma marcha progressiva de cada um para as realidades espirituais. Uma conversão contínua que consiste viver em função da doutrina do Mestre divino, que é caminho, verdade e vida. Cabe ao cristão assimilar esta Verdade e cooperar com sua maravilhosa ação. Disso resulta uma fulgente confiança que afasta as trevas das más ações, as quais impedem a luminosidade celestial, contradizendo a dileção de Deus. A quaresma é o tempo especialmente favorável para que cada um possa medir a intensidade de sua espiritualidade. Quando se olha para o Crucificado se percebe quão indesejável é o pecado que exigiu uma reparação infinita através dos padecimentos e morte do Filho de Deus sobre a Cruz. Essa cruz nos deve atrair porque ela é que conduz à alegria e à glória duradouras. Por tudo isto, este tempo quaresmal deve iluminar mais ainda os passos dos seguidores de Cristo para que possam, um dia, participar da Páscoa eterna.

* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


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