Fazer a vontade de Deus

04/06/2018 às 15h17

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

São Marcos ao narrar o episódio que se deu em Cafarnaum envolvendo os parentes de Jesus legou lições preciosas (Mc 3,31-35). É de se notar que nos versículos 31 e 32 ele sublinha que a Mãe de Jesus e seus primos estavam la fora. Isto, porém, não no sentido exterior, mas no sentido de que a seus olhos Jesus “estava fora de si”. As manifestações populares acerca do Mestre divino certamente tinham chegado a Nazaré que ficava a 30 quilômetros de Cafarnaum. Vieram para confortar a Cristo que se entregava a uma pregação contínua, doutrinando as multidões que a Ele acorriam. Grande a celebridade do homem de Nazaré que curava os doentes e expulsava demônios. Para os nazarenos sua árdua conduta era anormal, até inconcebível. Neste sentido é que estavam fora do sentido de sua missão evangelizadora e achavam que Ele ultrapassava os limites do bom senso. A família de Jesus O queria enquadrar nos seus moldes humanos, mas foi Jesus quem os colocou dentro de seu projeto salvador, de sua nova mensagem. Ele colocaria todos que aceitassem sua Boa Nova no Reino de Deus, bem longe do que ensinavam os escribas e fariseus que, na prática, não passavam de ateus contumazes. Ele viera do céu à terra para desinstalar os acomodados em falsas seguranças, praticando uma religião meramente exterior. Ele ensinaria a dizer ao Pai: “Seja feita a vossa vontade”. Daí então sua indagação ao lhe dizerem que seus parentes estavam fora e que O queriam ver: “Quem é minha mãe, quem são meus irmãos”? Na sua resposta o grande ensinamento: “Quem faz a vontade de Deus, esse é para mim, irmão, irmã e mãe”. Para sua mãe Maria, que ali estava, isto já era uma realidade sublime. Sua adesão à obra redentora fora completa, bem expressa no SIM dado ao arcanjo Gabriel. Foi uma aderência perfeita em todos os detalhes de sua vida. Isto se culminaria um dia lá no Calvário. Ali Jesus, contemplando os sofrimentos desta mãe admirável, dirá a João: “Eis aí a tua mãe”. O agir de Deus, sua vontade, é imprevisível, inesperada. Não pode ser encerrada nos esquemas humanos. Para Maria, como para todos os cristãos, a única verdade é que se deve estar disposto a acatar os desígnios divinos, nada mais nem nada menos. Para isto é preciso estar unido ao Espírito Santo e escutar as inspirações que ele coloca no coração de cada um. Alguns são chamados a fazer grandes coisas pela evangelização. Outros a se santificarem em pequeninas ações. Muitos se santificam nos caminhos dos sofrimentos e das aflições. Tudo, porém, tem o mesmo valor. O principal é fazer com amor o que Deus quer de cada um. A obediência a Deus é o fundamento da vida cristã animada pelo Espírito Santo. Na Bíblia a vontade, seja a de Deus, do anjo ou do homem, é antes de tudo a faculdade de se deixar atrair pelo bem e o escolher acima de tudo. Assim sendo, a raiz da vontade é um amor, uma atração e não uma mera autodeterminação. Em Deus a vontade é esta atração poderosa pela qual Ele vive a plenitude simples e essencial da Bondade sem limites que Ele é. Com relação a suas criaturas, a vontade de Deus é seu desejo de lhes comunicar, de fazê-las partilhar, segundo a capacidade de cada uma, algo de sua própria bondade infinita. É esta sabedoria plena de amor pela qual Deus, em seu Filho, quer atrair a Ele todos os homens. Ele chama os homens e as mulheres a serem seus filhos adotivos em Cristo pelo Espírito Santo. Não se trata de um poder coercitivo que ameaça ou inquieta. Ao ser racional cabe uma resposta de amor. Trata-se da assimilação vital, pessoal dessa orientação para a única Bondade que é Deus através da contingência e da multiplicidade das atividades cotidianas. Desta forma, os dez mandamentos são vistos como caminho de felicidade traçado pelo Bem Supremo. Eis porque São Paulo resumiu tudo ao dizer: “Esta é a vontade de Deus a vossa santificação” (1 Tm 4,3). É que a obediência a Deus leva à atenção às realidades mais simples e diversas em suas singularidades lá onde a Providência colocou cada um. Quem penetra fundo na paternidade divina, cuja vontade se expressa no Decálogo, na voz da própria consciência, nos deveres familiares, profissionais e sociais, atento sempre às inspirações divinas, persevera custe o que custar. Eis aí a mensagem dada por Cristo em Cafarnaum.

*Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


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