Agradecimento a Dom Geraldo

05/06/2018 às 08h48

Homenagem de Monsenhor Celso Murilo Sousa Reis a Dom Geraldo Lyrio Rocha, na missa de ação de graças realizada ontem (4).

 

A Eucaristia “é a oportunidade de saborear a vida e o amor de Jesus, para que perpassem o ser da pessoa e a plenifiquem com o ‘sabor do amor’” (Pe. Pius Sidegum, SJ).

Amados irmãos e irmãs, escolhi estas palavras de um mestre espiritual jesuíta para interpretar a experiência que acabamos de fazer nesta celebração de ação de graças: saboreamos a vida e o amor de Jesus por nós na Eucaristia, para que o nosso ser, a nossa existência sejam plenificados pelo ‘sabor do amor’ verdadeiro que só Cristo pode nos comunicar.

Caríssimo Dom Geraldo, ao agradecermos a Deus o ministério episcopal que o senhor exerceu em nossa querida arquidiocese de Mariana ao longo destes onze anos, louvamos o Bom Pastor reconhecendo que ele plenificou o seu coração e a sua vida desse ‘sabor do amor’ e fez de sua missão pastoral nesta Igreja particular um prolongamento da eucaristia cotidianamente celebrada e presidida com tanto fervor e unção. Com santo Alberto Hurtado, o senhor pode dizer: “Minha Missa é minha vida e minha vida é uma Missa prolongada”!

Vejo em sua caminhada de bispo duas expressões luminosas da espiritualidade eucarística: a gratidão e a doação. O senhor sempre demonstrou alegria e entusiasmo pela vocação e missão de pastor e reconhecimento a Deus pela oportunidade de desempenhar a função de Arcebispo de Mariana. Quanto bem nos tem feito o seu testemunho de felicidade e realização no exercício do ministério episcopal! Ao longo da convivência destes anos, fomos todos contagiados pela sua alegria sincera de exercer o pastoreio entre nós, com serenidade e paz de espírito, mesmo no enfrentamento dos desafios inerentes à sua função, sempre reconhecendo o bem e valorizando o positivo dos esforços e conquistas desta Igreja particular. Tudo é graça, tudo é gratuidade amorosa de Deus! Da alegre gratidão pela função que Deus lhe confiou, nasceu a sua capacidade de doação generosa, de imolação diuturna, sua disposição em temperar a ação cotidiana com o ‘sabor do amor’ que deve fazer a diferença na vida do discípulo missionário de Jesus. Gratidão e doação: marcas da espiritualidade eucarística que lhe permitem saborear a vida e a missão de Cristo, fazendo transbordar de seu coração esse ‘sabor do amor’ que o senhor tem comunicado em seu serviço episcopal.

Estimado Dom Geraldo, depois de termos dirigido a Deus nossa fervorosa ação de graças nesta celebração eucarística, venho expressar-lhe a gratidão da Arquidiocese de Mariana – cristãos leigos e leigas, lideranças de nossas pastorais e movimentos, consagrados e consagradas, vocacionados e seminaristas, ministros ordenados presbíteros e diáconos – gratidão por todo o bem realizado em favor desta grande família eclesial, com clarividência de mestre, com solicitude de pastor e com cuidado de pai. Faço-o na consciência de que as palavras são demasiado limitadas e pobres para expressar os sentimentos que povoam o coração de todos que o circundam nesta celebração. O que é mais eloquente nesta noite é a presença amiga, a comunhão fraterna, o afeto filial, a densidade orante.

Não tenho a pretensão de apresentar, nesta saudação de agradecimento, um balanço, nem ao menos provisório e incipiente, de seu fecundo pastoreio nesta Arquidiocese. Mas tenha a certeza, caro Dom Geraldo, de que no registro da história ficarão muitas e expressivas marcas do seu ministério de pastor, como sinal e testemunho que a Igreja de Mariana cresceu e se revigorou com o zelo e a lucidez, a coragem e a determinação que caracterizaram seu governo pastoral. Hoje deixamos falar apenas o registro do coração e das experiências e lembranças que cada um dos presentes traz consigo, com gratidão e carinho.

Da minha parte, prezado Dom Geraldo, gostaria de trazer a recordação da significativa mensagem que o senhor dirigiu à Arquidiocese de Mariana no dia primeiro de maio pp. Providencialmente, sua carta chegou às minhas mãos no dia 15 de maio, quando a liturgia nos apresentava o discurso de Paulo às lideranças de Éfeso, em Atos 20, e a oração sacerdotal de Jesus, em Jo 17, dois magníficos exemplares de testamentos pastorais que a Sagrada Escritura nos oferece. A analogia, então, veio-me espontânea, permitindo-me esta consoladora constatação: o administrador apostólico de Mariana está oferecendo ao seu rebanho, na citada carta, um testamento pastoral na conclusão de seu frutuoso ministério nesta Arquidiocese: “a função se encerra, mas a missão continua”. Obrigado, Dom Geraldo, por esta sábia mensagem de despedida.

Obrigado porque, no descortino de sua experiência pastoral, o senhor nos convida, neste momento de transição na história da Igreja particular de Mariana, a manter o olhar fixo no horizonte da missão evangelizadora, razão de ser da vida da comunidade eclesial e compromisso irrenunciável que brota de nosso batismo. Com facilidade nos esquecemos disto: “não é que a vida tenha uma missão, mas a vida é uma missão”. Assim ensinou recentemente o Papa Francisco (cf. Gaudete et Exsultate, § 27). A sua vida, caro Dom Geraldo, é uma missão, missão sempre acolhida na gratuidade e sempre oferecida na generosidade de uma doação sem reservas. E assim continuará sendo, com a graça de Deus!

Obrigado, Dom Geraldo, por nos recordar, ao término deste tempo de pastoreio exercido com tanto esmero e dedicação, que a Igreja não se constrói com o apego a cargos, funções, lugares, mas que importa manter o coração livre para o serviço despretensioso e a dedicação incondicional às necessidades e urgências que o Senhor da Messe e Supremo Pastor do Rebanho vai nos indicando em cada nova situação que nos desafia e que a realidade nos impõe.

Obrigado, Dom Geraldo, por ter realizado entre nós o seu lema episcopal – “faze a obra de um evangelista”: “opus fac evangelistae” – e por nos mostrar, principalmente nestes últimos meses, que fazer a obra de um evangelista inclui também alimentar a convicção de que o Deus, a quem servimos, é infinitamente maior que as obras realizadas, que os trabalhos prestados, que as funções desempenhadas. “Parto com certeza de que o Senhor estará sempre a meu lado”. Deste modo o senhor nos convida a refletir que importa, antes de tudo, escolher a Deus e não as obras de Deus, mesmo que seja a obra benemérita de um evangelista. Quando escolhemos a Deus, ele mesmo vai nos ajudando a descobrir, em cada estação da vida, uma nova maneira de amar e de servir. É exigente a lição que o senhor nos deixa para ser assimilada e vivida: a missão não começa nem termina conosco. Pastoreio é questão de herança, herança que recebemos, herança que transmitimos.

Como nos testamentos pastorais do apóstolo Paulo e de Jesus, o senhor sublinhou em sua mensagem à arquidiocese dois valores essenciais: a qualidade do relacionamento e a necessidade da comunhão eclesial. Aliás, o parágrafo mais longo de sua carta é dedicado ao tema dos vínculos estabelecidos com esta Igreja particular. Pode ter certeza de que o senhor será sempre lembrado entre nós pela prática dessas duas linhas fundamentais: a capacidade de estreitar laços de amizade e convivência e o investimento constante na construção de uma verdadeira unidade no corpo da Igreja.

Caríssimo Dom Geraldo, nos últimos tempos, o senhor me perguntou, mais de uma vez, quem sabe movido pela busca da tradução mais exata para o uso litúrgico ou talvez no desejo de valorizar os meus humildes préstimos de estudioso da Bíblia, qual seria a melhor maneira de traduzir a afirmação de Jesus no evangelho de Lucas: “somos simples servos, fizemos apenas o que devíamos fazer” (17,10). Simples servos, servos inúteis, servos dispensáveis... afinal, o que significa isso? Questão instigante e intrincada! Desafio para exegetas e tradutores! Confesso que não venho trazer-lhe agora a resposta para esta pergunta. Vou continuar devendo-lhe o resultado desta consulta, mesmo porque a minha pesquisa sobre o tema está longe de começar e as dificuldades para uma solução abalizada não são poucas... Conto com sua compreensão e paciência. Quem sabe algum dia poderei oferecer minha modesta contribuição? Contudo, aqui vem o mais importante, testemunhando a sua postura ao longo destes onze anos, a sua estatura espiritual e pastoral, sobretudo diante desta fase de mudança, consola-me a certeza de que, embora a adequada tradução da frase do evangelho continue sendo exigente e questionadora, a hermenêutica existencial o senhor a tem feito muito bem, inclusive com o que disse em sua carta-testamento pastoral e procurando agir em coerência com esta afirmação: “a função se encerra, mas a missão continua”. Obrigado, Dom Geraldo, por nos oferecer, com suas atitudes e com a maneira serena e edificante de viver essa transição, uma tradução vital e bem personalizada das palavras de Jesus: somos simples servos, servos dispensáveis, que buscam fazer o melhor que podem na construção da Igreja, sinal e instrumento do Reino definitivo. E quem faz o que pode, faz o que deve, como o senhor ama repetir. No mais, resta-nos a convicção de que o Deus misericordioso preenche com a sua graça as lacunas deixadas por causa de alguma limitação, como o senhor nos quis recordar em sua carta.

Meus amados irmãos e irmãs, a Eucaristia é oportunidade de saborear a vida e o amor de Jesus por nós, para que a nossa existência seja plenificada com o ‘sabor do amor’ afetivo e efetivo pelos nossos irmãos e irmãs de caminhada. Que o nosso agradecimento a Dom Geraldo, apenas esboçado nesta saudação, seja expresso existencialmente no desejo sincero de prolongar a experiência da Eucaristia para que o sabor da vida e do amor de Jesus continue nos sustentando na busca de qualidade na vivência cotidiana de nossa vocação. Que estas palavras de despedida sejam a certeza de continuarmos unidos na missão evangelizadora, horizonte de sentido de nossa caminhada eclesial.

Caríssimo Dom Geraldo, Deus o cumule de bênçãos e graças nesta nova estação da vida que o senhor iniciará, em breve, como arcebispo emérito de Mariana e o recompense pelo bem semeado entre nós, dando-lhe a oportunidade de descobrir novas maneiras de amar e servir no exercício da missão episcopal que continua. Mesmo em nova residência, nossa arquidiocese será sempre a sua casa e sua grande família eclesial. Continuaremos contando com o senhor. Obrigado por tudo!


 

Mons. Celso Murilo Sousa Reis

04.06.18


 


Voltar

Confira também: