Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Como Mestre admirável Jesus exige total coerência de seus seguidores que devem evitar tudo que contamina exterior e interiormente o ser humano (Mc 7,1-23). Um cristão não pode viver na falsidade, na duplicidade. Precisa superar sempre com vigor a hipocrisia. Trata-se de permanecer na claridade divina, ciente de que Deus penetra o íntimo de cada um. O exterior deve refletir exatamente o que se passa no fundo do coração. Do contrário, o que aparece é meramente o convencional, o superficial. É uma máscara ou uma imagem ideal de si mesmo que é projetada no falar e no agir diante dos outros, mas que encobre tantas vezes a maldade interior. Jesus não deixou dúvidas e afirmou: “É do interior, isto é, do coração dos homens que saem os maus pensamentos”. É lá de dentro de cada um também que brotam os bons desejos, pois é a região do verdadeiro, do autêntico, ou seja, do que cada um é perante Deus. É o lugar daquela fidelidade cotidiana que ilumina interruptamente todas as ações. Entretanto, igualmente deste interior é que brotam a agressividade e o rancor, o desprezo dos outros e o egoísmo, as fornicações, as fraudes, a impudicícia, a maledicência, a impiedade. Isto, lembra Jesus, é que torna o homem impuro, longe do projeto de santidade traçado por Deus nos seus mandamentos. Eis aí muitas vezes a separação íntima entre o interior e o exterior, entre o ser e o parecer, entre o Deus que deve viver no ser humano e o demônio que envolve muitas vezes a pessoa nos seus laços. Surge então uma ambiguidade dolorosa, pois a consciência é a voz do Criador que aplaude sempre a coerência existencial e condena a insinceridade, seja ela qual for. Muitos cristãos são anjos do céu dentro da Igreja, mas em casa, nos locais de trabalho e diversão se tornam anjos do mal, esquecidas as urgências do Reino de Deus. É justamente no comportamento na sociedade que deve refulgir a grandeza dos corações que, verdadeiramente, cultuam o seu Senhor, levando por toda parte compreensão, amor, atitudes sempre luminosas. Na vida do cristão verdadeiro deve brilhar a verdade total, refletindo a bondade do Deus vivo e verdadeiro. Nada agrada tanto a Cristo como a autenticidade de seu seguidor. Muitos querem viver o que Jesus ensinou, mas se deixam levar pelos sites pornográficos, pelas conversas levianas, por atos obscenos. É o que bem exprime célebre ditado: “Querem acender uma vela a Deus e outra ao diabo”. Muitos se esquecem de que mortos não são aqueles que vivem numa tumba fria, mortos são os que têm morta a alma e vivem todavia. A imagem usada por Cristo foi a de “sepulcros caiados”. Esta hipocrisia que se chama farisaísmo é a causa da queda dolorosa de muitos. Errar é humano, mas justificar o erro ou não fugir das ocasiões de pecado é diabólico. Todas as vezes, porém, que um cristão se arrepende sinceramente de suas faltas, Deus misericordioso perdoa inteiramente. Ele, contudo, quer um acatamento total de seus preceitos. Isto implica utilizar as coisas criadas por Deus como meios para atingir a pureza interior. No número 226 do Catecismo da Igreja Católica está clara qual deve ser a conduta do cristão: “A fé no Deus único leva-nos a usar de tudo quanto não for Ele, na medida em que nos aproximar d'Ele, e a desprender-nos de tudo, na medida em que d'Ele nos afastar”. A prece de São Nicolau de Flue deve então ser a oração predileta do verdadeiro seguidor de Cristo: “Meu Senhor e meu Deus, tira-me de tudo o que me afasta de Ti. Meu senhor e meu Deus, dá-me tudo o que me aproxima de Ti. Meu Senhor e meu Deus, desapega-me de mim mesmo, para que me dê todo a Ti”. É deste modo que se realiza a completa conversão do coração. Refletir em todas estas verdades é tanto mais necessário quando se vive numa cultura consumista e hedonista. São aspectos culturais que instauram uma mentalidade, um estilo de vida que contradiz os preceitos de Deus e são obstáculo à evangelização. Cumpre passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do esbanjamento à partilha, promovendo uma reforma interior profunda. Então, sim, se estará colocando em prática o Evangelho e difundindo a prática do mesmo, porque o modo de ser e de viver de cada um fala mais alto do que as palavras, porque são ações que provêm de um coração incontaminado, puro, limpo.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.