Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
No segundo domingo do Advento a liturgia vem nos lembrar que “no deserto fez-se ouvir a palavra de Deus a João, filho de Zacarias” (Lc 3,1-6). Antes de mostrar a mensagem do Precursor o evangelista apresenta o momento histórico em que isto deu. Os dados são importantes porque patenteiam a situação política e religiosa na qual irão repercutir os ensinamentos de João e depois os de Jesus. Quer na Galileia, quer em Jerusalém notava-se um surto de nacionalismo. Esse era duramente reprimido pelas autoridades de então. Os filhos de Israel estavam sob o jugo de Roma, sem vislumbrarem uma libertação em curto prazo, colocavam sua esperança unicamente em Deus. Isto intensificava a fé dos diversos grupos religiosos, salientando-se a comunidade que guardava o espírito ascético dos essênios. Surge neste contexto a figura de João Batista, que, vindo do deserto, começou a pregar na região do Jordão. Aí ele batizava os que em grande número chegavam para escutá-lo. Havia um ritual de purificação moral que preparava já a ablução radical que o Messias haveria de propiciar, batismo no Espírito Santo que somente Ele podia oferecer. O cerne da pregação do Batista era a conversão, passando cada um da vida do pecado para total adesão a Deus. Breve o Reino messiânico seria instalado neste mundo. João trazia à tona o vulto do profeta Isaias que no final do exílio da Babilônia fizera ecoar ondas de esperança e afastamento completo dos vícios e paixões desregradas: “Preparai o caminho do Senhor” (Is 40,3). Era uma condição basilar para que raiasse a verdadeira liberdade do povo de Deus. Veredas deviam ser aplainadas, vales preenchidos, montes e colinas abaixados, vias tortuosas endireitadas e as escabrosas precisavam se tornar planas. Este programa de vida espiritual, apropriado para acolher o Libertador, deveria ser em todos os tempos o modo como se preparar para a recepção renovada de todas as graças daquele que ofereceria a completa redenção aos seus seguidores. Como o Advento é esta preparação para a comemoração do Natal do Filho de Deus o roteiro joanino é um vigoroso clamor para uma completa renovação espiritual. O ponto de reparo são os dez mandamentos, caminhos indispensáveis rumo ao Presépio. Os vales da depressão e do desalento a serem preenchidos pela certeza do poder salvífico de Jesus no qual se deve depositar toda a confiança. As montanhas do orgulho precisam ser demolidas. Tudo isso operado com muita sinceridade a fazerem as atitudes censuráveis retificadas e as ações pedregosas dulcificadas por um intenso amor a Deus e ao próximo. Eis aí um itinerário para que o Natal seja abençoado e ponto de partida para uma total renovação da história pessoal de cada um. Uma palavra resume o que precisa ser realizado de plano: metanoia, ou mudança essencial de pensamento ou de todo o ser numa transformação espiritual completa, absoluta. Jesus vem, Ele não deixa nunca de vir, desde que seu seguidor se disponha a melhorar sempre sua conduta, abrindo todos os espaços de seu coração através desta higienização interior, numa sincera revisão de vida. Trata-se do progresso na caminhada da salvação pessoal e de toda a comunidade. Afastamento total de tudo que é indigno de um cristão é o ideal a ser vivificado nesta jornada até o Presépio. A palavra de Deus foi dirigida a João Batista no deserto antes dele iniciar sua pregação. Durante o Advento é preciso parar, sair um pouco do bulício do mundo para receber a palavra divina que levará a todas as mudanças necessárias. Momentos de silêncio para cada um poder examinar o que precisa alterar nas suas relações com Deus. Criar um clima de disponibilidade, para deixar a luz divina entrar no ritmo do apelo a uma santidade consistente, desatando as cadeias de qualquer pecado. Então esta palavra de Deus será recebida, guiará e produzirá muitos frutos pessoais e coletivos. Cumpre deixar Deus intervir decisivamente na história de cada um. Trata-se então de oferecer a Ele todas as fraquezas, todas as aflições para que Jesus possa realmente vir até o íntimo do coração de seu seguidor. Ele retificará tudo que estiver errado. Nada, portanto, de desalento, mas, isto sim, procurar um repouso salutar que ofereça espaço ao Deus que salva e redime, desejando ardentemente sua presença, sua redenção a ser revivida em mais um Natal que se aproxima. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.