Matar os nossos deuses

07/12/2018 às 15h02

De modo geral, todos acreditamos em Deus. Uma grande parte da população crê e segue Jesus Cristo. Mas sempre ficam algumas perguntas: Qual é o deus da nossa fé? Que Jesus Cristo seguimos? Pode parecer óbvio ou fácil responder. Mas não é bem assim.

O sacerdote e professor espanhol, José MaríaMardones, escreveu um livro que traz justamente este título: Matar nossos deuses – Em que deus acreditar? Aqui registro algumas das considerações e questionamentos que ele nos traz.

Podemos começar por uma afirmação provocante do filósofo alemão Nietzsche: Se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança,“o homem, em seu orgulho, criou Deus à sua imagem e semelhança.” Frase que pode ser complementada, com uma pitada de humor, pelo francês Voltaire: “Se Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, este devolveu a moeda com juros”.

A verdade é que o deus em que cremos é, quase sempre e muito mais, uma projeção que fazemos a partir do que somos, sentimos e pensamos. E, por isso, se queremos ter uma fé verdadeira e libertadora, é necessário primeiro matar alguns dos nossos deuses. E... por onde começar?

Deus, para ser Deus de fato, deve ser fundamental para a nossa vida. Deve ser libertador, causa de alegria, de esperança, de ânimo, de compromisso com a vida e com a justiça. Deve ser fonte de leveza e de felicidade. Mas quase sempre o que vemos é um deus ligado ao medo, a um peso moral, à repressão, como se fosse uma carga a ser carregada. Em nome de deus muita gente agride, discrimina, mata, se castra, se mutila. Por causa da fé muitos consideram o prazer como um mal, um perigo, e a dor como um castigo merecido. Recebem o prazer com peso de consciência e o sofrimento com certo gozo,como forma de se purificar da culpa. Aliás, muitas vezes a religião é alimento para um dos mais nocivos sentimentos, que é justamente o da culpa. Sem contar tanta gente que acaba descambando para o fanatismo e o fundamentalismo.

Essa é certamente uma das razões pelas quais muitos se negam a crer em Deus. Na verdade, a pessoa não está rejeitando Deus em si, mas as representações, as imagens, os conceitos que dele fazemos, refletimos e divulgamos. Muitas vezes são imagens infantis, sádicas, irracionais, muito mais projeção nossa do que experiência real do Deus amor.

É impressionante como muita gente se fixa em algumas figuras de Deus reveladas no Antigo Testamento, registradas numa fase incipiente da fé, e são incapazes de assimilar o Deus de Jesus Cristo. Não se pode ignorar que a Bíblia, mesmo sendo inspirada por Deus, foi escrita por pessoas humanas, limitadas, sujeitas a um contexto cultural próprio e que, consciente ou inconscientemente, projetam a imagem de Deus a partir de si. E como é muito forte em quase todos a questão do poder, da força, do domínio, muitos não conseguiram “engolir” a imagem de Deus revelada em Jesus Cristo, muito mais ligada “ao rebaixamento, à limitação e à impotência, à vulnerabilidade e ao sofrimento, à pobreza, à oferta não impositiva, à compaixão e ao perdão”.

Ou seja, convertemos o melhor no pior. Transformamos o mais santo, amoroso e libertador no mais temível, do qual lançamos mão para justificar sofrimentos (Deus quer assim), para corrigir crianças (Papai do céu castiga), para afastar o medo (dos infernos que nós próprios criamos), para ameaçar (Deus está vendo)... Um big brother que vê e anota tudo “para nos apresentar a fatura a ser paga” no fim dos tempos. Não é por nada que Carl Jung já dizia que, por trás de muitas das patologias, se encontra um problema religioso.

Temos portanto, uma tarefa difícil e urgente: matar nossos deuses, para deixar nascer em nós a imagem escandalosa, mas encantadora, do Deus de Jesus Cristo.

Pe. José Antonio de Oliveira


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