É comum ouvir comentários em que se utiliza a palavra estrutura para caracterizar certos tipos de organização mental. Por vezes tais comentários são feitos com naturalidade, em conversas entre pessoas com escasso ou nenhum conhecimento formal de psicologia. “Sabe, o meu filho mais velho tem uma estrutura frágil. O mais jovem não. É bem mais estruturado que o irmão”. Afirmações semelhantes são comuns também entre padres que trabalham nos seminários, em diferentes contextos, mas especialmente nos processos seletivos de candidatos a ingressar no seminário e nos escrutínios. Se a palavra estrutura é utilizada com freqüência, será que as pessoas que a utilizam têm um suficiente conhecimento de seu significado?
São muitos os estudiosos da personalidade que apresentam a mente humana organizada estruturalmente. A compreensão estrutural mais conhecida foi elaborada por Sigmund Freud. Quem nunca ouviu as palavras Id, Ego e Superego? Depois de Freud apareceram muitos outros nomes importantes, no campo da psicologia da personalidade, que se dedicaram ao estudo da organização da mente humana. Cada um deles apresenta a estrutura psíquica organizada de uma forma específica, pelo fato de que as diferentes compreensões estruturais acentuam aspectos específicos da mente humana, aparentemente em oposição e se contradizendo.
Otto Kernberg, psicanalista norteamericano contemporâneo, ao falar de estrutura psíquica enfatiza a importância da estabilidade e continuidade da organização mental, intrapsíquica, ao longo do tempo. Para ele, à palavra estrutura devemos associar a ideia de estabilidade. Quanto mais saudável a organização mental, mais estável será a pessoa. Quanto mais frágil a estrutura psíquica, por outro lado, menos resistência terá a pessoa às muitas situações e eventos que geram tensão e estresse, tão comuns nas atividades laborativas e nas relações interpessoais.
Para compreender o que Kernberg nos diz, basta comparar o funcionamento mental de uma criança com uma pessoa adulta. À criança são comuns, e não causam nem estranheza e nem preocupação, as frequentes perdas de equilíbrio, por vezes muito intensas. Duas crianças num momento estão brincando e se dizendo as melhores amigas. Instantes depois, por motivos absolutamente corriqueiros, estão aos gritos e se agredindo. Seriam desequilibradas? São crianças, apenas isto. Como estão em processo de construção da estrutura psíquica, são carentes de recursos internos que lhes possibilitem se manterem estáveis nas esferas das emoções, da relações interpessoais, na organização das idéias e, evidentemente, no comportamento em diferentes situações.
Kernberg, em seus escritos, afirma que a qualidade da organização mental se reflete especialmente na qualidade das relações interpessoais, das operações defensivas e da percepção da realidade (reality testing). Com estas afirmações entendemos que a qualidade de nossa estrutura psíquica irá definir a qualidade de nossa vida, em seus aspectos fundamentais, como a capacidade de construir relações interpessoais saudáveis e equilibradas; a capacidade de suportar as tensões e pressões inevitáveis e frequentes (operações defensivas); a capacidade de desenvolver uma compreensão realista e objetiva de nós mesmos, do outro e do mundo em geral (teste/exame da realidade).
A nossa mente, nesta compreensão, se organiza em três níveis estruturais diferentes, a saber, neurose, estados borderline, e psicose. Compreendê-los não é difícil. Por neurose, entendido como nível de estrutura psíquica, Kernberg entende um quadro bastante favorável. O “neurótico” seria a pessoa cuja organização mental lhe permite trabalhar, relacionar-se com as pessoas, e desenvolver uma vida bem “normal”. O que distingue a neurose seria um quadro de ansiedade, permanente, difusa, que causa um significativo sofrimento psíquico. Em linguagem simples, um de meus professores dizia que o neurótico é a pessoa que tem uma qualidade de vida limitada em razão da ansiedade, mas de modo geral está situado nos limites da normalidade. O neurótico não fica isento, ainda, de diferentes tipos de sintomas e somatizações.
Quanto ao segundo nível estrutural, o borderline (do inglês, limite, fronteira), trata-se da organização mental que está na fronteira, situado entre a normalidade e a patologia grave. A expressão que se utiliza para o borderline é “estável instabilidade”, pelo fato de a pessoa não ter atingido uma suficiente integração no processo de desenvolvimento da psique. Em suas pesquisas, Kernberg constatou que a pessoa com estrutura borderline alterna situações em que percebe a realidade de modo globalmente positivo (all good), com estados em que tudo é percebido negativamente (all bad). Concretamente, a pessoa com esta estrutura será caracterizada por acentuada instabilidade e impulsividade, durante toda a vida, que afetará as relações interpessoais, o modo de se perceber e perceber o outro, e o estado de humor. Outra característica do borderline será a impulsividade, que atingirá a esfera da sexualidade e da agressividade. É um tipo de organização mental, pelo descrito acima, que resultará em comportamentos muito inadequados, provocando sérias dificuldades para a pessoa e para aqueles que com ela convivem.
Por fim, a psicose apresenta o nível mais acentuado de fragilidade psíquica. É neste nível que se situam as patologias mais severas, como a esquizofrenia. Sem entrar em detalhes, a essência da psicose é a perda do teste ou exame da realidade, o que fragiliza acentuadamente as principais funções mentais, como a capacidade de pensar logicamente, de sentir e expressar as emoções, e de comportar-se em sintonia com o ambiente e com a situação. Com frequência, o psicótico vive numa realidade criada por ele, sendo frequentes os delírios e as halucinações.
Esta reflexão nos permite constatar que somos extremamente complexos em nossa organização mental. Temos uma específica organização mental, que exerce acentuada influência em nosso modo de ser, e é o resultado de nossa história, sobretudo do tipo de infância que tivemos. O que fazer então? Precisamos nos conhecer em nível de profundidade, e organizar a vida em sintonia com o tipo de organização mental que temos. Há pessoas felizes e infelizes em todos os níveis de organização mental. Depende da vida que levam, e das escolhas que fazem.