Catequese do Papa Francisco: O amor de Deus é fiel

21/02/2019 às 10h01

Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal (Canção Nova)

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

A audiência de hoje se desenvolve em dois lugares. Antes fiz o encontro com os fiéis de Benevento, que estavam em São Pedro, e agora com vocês. E isso é devido à delicadeza da Prefeitura da Casa Pontifícia que não queria que vocês pegassem frio: agradeçamos a eles, que fizeram isso. Obrigado.

Prosseguimos com as catequeses sobre o “Pai nosso”. O primeiro passo de toda oração cristã é o ingresso em um mistério, aquele da paternidade de Deus. Não se pode rezar como papagaios. Ou você entra no mistério, na consciência de que Deus é teu Pai, ou não reza. Se eu quero rezar a Deus meu Pai começo o mistério. Para entender em que medida Deus nos é pai, nós pensamos nas figuras dos nossos pais, mas devemos sempre, em alguma medida, “refiná-las”, purificá-las. Diz isso também o Catecismo da Igreja Católica, que diz assim: “A purificação do coração diz respeito às imagens paternas ou maternas oriundas de nossa história pessoal e cultural, e que influenciam nossa relação com Deus” (n. 2779).

Ninguém de nós teve pais perfeitos, ninguém; como nós, por nossa vez, nunca seremos pais, ou pastores, perfeitos. Todos temos defeitos, todos. As nossas relações de amor as vivemos sempre sob o sinal dos nossos limites e também do nosso egoísmo, por isso são muitas vezes poluídas por desejos de posse ou de manipulação do outro. Por isso às vezes as declarações de amor se transformam em sentimentos de raiva e de hostilidade. Mas, olha, esses dois se amavam tanto na semana passada, hoje se odeiam a morte: vemos isso todos os dias! É por isso, porque todos temos raízes amargas por dentro, que não são boas e às vezes saem e fazem mal.

Eis porque, quando falamos de Deus como “pai”, enquanto pensamos na imagem dos nossos pais, especialmente se nos quiseram bem, ao mesmo tempo devemos ir além. Porque o amor de Deus é aquele do Pai ‘que está nos céus’, segundo a expressão que Jesus nos convida a usar: é o amor total que nós, nesta vida, experimentamos apenas de forma imperfeita. Os homens e as mulheres são eternamente mendigos de amor, somos mendigos de amor, temos necessidade de amor, procuram um lugar onde seram finalmente amados, mas não o encontram. Quantas amizades e quantos amores desiludidos existem no nosso mundo, quantos!

O deus grego do amor, na mitologia, é aquele mais trágico em absoluto: não se entende se é um ser angélico ou um demônio. A mitologia diz que é filho de Poros e de Penía, isso é da astúcia e da pobreza, destinado a levar em si mesmo um pouco da fisionomia desses pais. Daqui podemos pensar na natureza ambivalente do amor humano: capaz de florescer e de viver prepotente em uma hora do dia, e logo depois murchar e morrer; aquele que pega, sempre escapa dele (cfr Platão, Simposio, 203). Há uma expressão do profeta Oseias que enquadra de maneira impiedosa a congênita fraqueza do nosso amor: “O vosso amor é como uma nuvem da manhã, como o orvalho que logo se dissipa” (6, 4). Eis que assim é muitas vezes o nosso amor: uma promessa que se cansa de manter, uma tentativa que logo seca e evapora, um pouco como quando de manhã sai o sol e acaba com o orvalho da noite.

Quantas vezes nós homens amamos deste modo tão frágil e intermitente. Todos temos esta experiência: amamos, mas depois aquele amor acabou ou se tornou fraco. Desejosos de querer bem, nos deparamos com nossos limites, com a pobreza de nossas forças: incapazes de manter uma promessa que nos dias de graça parecia fácil de cumprir. No fundo, até mesmo o apóstolo Pedro teve medo e teve que fugir. O apóstolo Pedro não foi fiel ao amor de Jesus. Tem sempre esta fraqueza que nos faz cair. Somos mendicantes que no caminho correm o risco de nunca encontrar completamente o tesouro que buscam desde o primeiro dia de vida: o amor

Porém, existe um outro amor, aquele do Pai “que está nos céus”. Ninguém deve duvidar de ser destinatário desse amor. Ama-nos. “Me ama”, podemos dizer. Mesmo se o nosso pai e a nossa mãe não tivessem nos amado – uma hipótese histórica – , há um Deus nos céus que nos ama como ninguém nesta terra jamais fez e nunca poderá fazer. O amor de Deus é constante. Diz o profeta Isaías: “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não esqueceria nunca. Eis que estás gravada na palma de minhas mãos” (49, 15-16). Hoje está na moda a tatuagem: “Nas palmas de minhas mãos te desenhei”. Fiz uma tatuagem de você sobre minhas mãos. Eu estou nas mãos de Deus, assim, e não posso tirá-lo. O amor de Deus é como o amor de uma mãe, que nunca se pode esquecer. E se uma mão se esquece? “Eu não me esquecerei”, diz o Senhor. Esse é o amor perfeito de Deus, assim somos amados por Ele. Mesmo se todos os nossos amores terrenos desmoronassem e não restasse na mão nada além de pó, há sempre para todos nós, ardente, o amor único e fiel de Deus.

Na fome de amor que todos sentimos, não buscamos algo que não existe: essa é, em vez disso, o convite a conhecer Deus que é pai. A conversão de Santo Agostinho, por exemplo, passou por este caminho: o jovem e brilhante reitor procurava simplesmente entre as criaturas algo que nenhuma criatura lhe podia dar, até que um dia teve a coragem de levantar o olhar. E naquele dia conheceu Deus. Deus que ama.

A expressão “nos céus” não quer exprimir uma distância, mas uma diversidade radical de amor, uma outra dimensão de amor, um amor incansável, um amor que sempre permanecerá, antes, que sempre está à mão. Basta dizer “Pai nosso que estais nos Céus”, e aquele amor vem.

Portanto, não temer! Nenhum de nós está sozinho. Se por desventura o teu pai terreno tivesse se esquecido de ti e você guardasse rancor dele, não te é negada a experiência fundamental da fé cristã: aquela de saber que és filho muito amado de Deus e que não há nada na vida que possa apagar o seu amor apaixonado por ti.


Voltar

Confira também: