Tocar na ferida para curar

07/03/2019 às 13h05

O mundo, de modo geral, recebeu com muita alegria a iniciativa corajosa e profética do papa Francisco ao convocar todos os presidentes das Conferências Episcopais e os responsáveis pelas Ordens Religiosas para tratar, de maneira humilde e transparente, da questão dos abusos sexuais no seio da própria Igreja. O encontro aconteceu em Roma, de 21 a 24 de fevereiro. Um jornalista chegou a dizer que se tratava de um dos maiores eventos da Igreja nos últimos séculos.

Essa chaga da pedofilia e dos abusos por parte de pessoas consagradas vem machucando a Igreja, bem como as famílias e toda a sociedade há tempos. E sempre foi tratada como tabu, muitas vezes buscando o caminho largo e perigoso da omissão, do acobertamento, do silêncio, agravando ainda mais as feridas já tão graves das vítimas.

Não se trata de condenar ou de julgar ninguém. Temos consciência de que em muitos casos esses crimes são cometidos por pessoas doentes, que carregam em si o peso doloroso de distúrbios, doenças psíquicas, de histórias tristes de vida etc. Porém, nada justifica a omissão, a negação, o não acatamento de denúncias, o não encaminhamento para a justiçapara as devidas penas e tratamento.

Desde que assumiu o pontificado, Francisco tem se debruçado com grande sensibilidade e coragem sobre esse tema. E tem tomado decisões nunca imaginadas. Já afastou cardeais, vários bispos, inúmeros sacerdotes do ministério. E não tem medo de tocar no assunto.

E foi assim que convocou lideranças religiosas do mundo inteiro para conversar sobre o tema, dando espaço para que as vítimas apresentassem o seu testemunho e falassem dos seus dramas, além de convidar uma mulher, Linda Ghisoni,Subsecretária do Dicastério Leigos, Família e Vida, para falar no encontro. E ela soube aproveitar a oportunidade. Disse que a Igreja deveria se colocar “de joelhos diante das vítimas e suas famílias, diante dos abusadores, dos cúmplices, dos negacionistas, diante de todos os que foram acusados injustamente”.

Foram apresentados os testemunhos de várias vítimas de abuso. Falaram de como eram tratados como mentirosos e tiveram a tristeza de ver a Igreja“virar as costas” para eles.  “Vocês são os médicos da alma e muitas vezes se transformaram em assassinos da alma, em assassinos da fé”. 

Ouvir o que foi dito, conhecer mais de perto o drama de tantos sensibilizou muito os presentes e o próprio papa Francisco que, ao final da Missa de encerramento do encontro,deixou a todos este desafio: combater com todas as forças esses “crimes abomináveis que devem ser banidos da face da terra”:

“Faço um sentido apelo à luta total contra os abusos de menores, tanto no campo sexual como em outros campos, por parte de todas as autoridades e dos indivíduos, porque se trata de crimes abomináveis: pedem isto mesmo as muitas vítimas escondidas nas famílias e em vários setores das nossas sociedades. Não há explicações suficientes para estes abusos contra as crianças”.Isso deve ser feito “com medidas disciplinares e processos civis e canônicos”.

Para Francisco o objetivo da Igreja será “ouvir, tutelar, proteger e tratar os menores abusados, explorados e esquecidos, onde quer que estejam”. “A Igreja não poupará esforços fazendo tudo o que for necessário para entregar à justiça toda a pessoa que tenha cometido tais delitos. A Igreja não procurará jamais dissimular ou subestimar qualquer um destes casos”. É preciso apoiar e acompanhar as pessoas abusadas, porque “o mal que viveram deixa nelas feridas indeléveis” e a Igreja “tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário”.

Naturalmente, o Papa também agradeceu “a todos os sacerdotes e aos consagrados que servem ao Senhor com total fidelidade”. Aqueles que procuram viver o celibato e sua consagração a Deus e ao povo. É claro que as exceções, por mais cruéis que sejam, não podem ofuscar o trabalho incansável e a dedicação integral de muitas e muitos consagrados que, apesar de sua fragilidade, são para o mundo um sinal bonito do amor e da ternura de Deus. São sinais do verdadeiro Pastor.

Pe. José Antonio de Oliveira


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