Faz 10 anos em que a Praça da Sé, tomada pelo povo, despedia-se de Dom Luciano, pastor, profeta e sacerdote de Deus, da igreja e dos pobres. Como pastor ele apascentou com carinho, atenção e esmero; como profeta anunciou, denunciou e testemunhou o Reino, qual Isaías, Jeremias ou qualquer do profetas; como sacerdote celebrou, santificou e amou. Uniu fé e vida, oratória e vivência, teoria e práxis libertadora. Aproximou-se dos excluídos, mendigos, crianças e necessitados. Fazia suas as carências dos outros, sofria pelo irmão presente ou distante; também aos ricos, como o Cristo, deu oportunidade de redenção na humildade do acolhimento, porque não desprezava ninguém. O que para todos parecia jogo de cena, aproveitamento indevido de quem lhe pedia ou suplicava, para ele era simplesmente o ser humano em sua mais tenra originalidade existencial. Tudo se tornava secundário quando se tratava de ajudar quem acorria aos braços ternos e coração generoso.
Era interpretado também de forma injusta por quem o julgasse protetor de ladrões , menores e aproveitadores. Mas, Dom Luciano parecia não se importar. Certa feita foi interpelado por uma repórter de renomado jornal o porquê da Campanha da Fome Zero pelo país e, de tanto ser importunado pela jornalista que o queria colocar em contradição com o assistencialismo e promoção humana, o bispo se voltou a ela e devolveu-lhe a pergunta crucial:” E você, minha filha, o que está fazendo para diminuir a fome dos pobres? “ Uma vez foi dado um almoço no Seminário para comemorar aniversário de Dom Luciano. Os organizadores fizeram-lhe uma surpresa, levando pobres e mendigos para aquele momento de confraternização. Seus olhos brilharam como aquele rei do qual se fala no evangelho, porque foram para o banquete aqueles que, normalmente, ninguém convida e de quem não se lembra nessas ocasiões. O que para muitos soava como caridade assistencialista para ele era libertação na caridade e na promoção da vida.
Muitos Movimentos Populares, Pastorais Sociais e Grupos Organizados viram nele um esteio para suas reivindicações. Aquele dia foi emblemático, em Belo Horizonte, quando da marcha contra as tarifas de energia, a frente ao BID ( Banco Interamericano de Desenvolvimento ) e outras lutas populares formaram-se na perto do Palácio do Governador. Haveria um massacre dos manifestantes se não fosse Dom Luciano a intermediar pelo povo presente ao ato. O batalhão de choque e os soldados do governo já se avançavam contra o povo, mas Dom Luciano conseguiu que se desfizesse esse massacre, sem nenhuma arma, mas apenas com o poder da fé, da palavra e da ousadia de quem não teme a morte iminente. Todos gritaram seu nome quando ele veio, no meio dos militares, braços dados com alguns manifestantes que já se encontravam em greve de fome há vários dias. Dentre eles estava o Pe. Joãozão. A serenidade falara mais alto que os canhões e a violência.
“ Dom Luciano vive na luta do povo”, gritaram todos na Praça da Catedral de Mariana. Sua luta é nossa luta; seu Reino é nosso no amor, na defesa da vida, da justiça, da ética e de uma humanidade que como ele dizia: “ É preciso que aprendamos a viver simplesmente para que os outros possam simplesmente viver “. Sua luz continuará luzindo esperança e fé libertadora naqueles que anseiam por um novo mundo e por uma utopia que supera a incerteza da realidade dominante.