Côn. José Geraldo Vidigal de Caralho*
A parábola do bom samaritano é, sem dúvida, uma das passagens mais preciosas da Bíblia (Lc 10,25-37). Evoca a beleza e o poder do amor que devem prevalecer em todas as circunstâncias, vendo até num estrangeiro uma pessoa digna de toda a compaixão. Revela a essência mesma do grande mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a si mesmo” (Mc 12,28-34). Cumpre, de fato, ultrapassar todas as barreiras para, na medida do possível, socorrer quem precisa de um auxílio oportuno imediato. Nesta parábola Jesus ilustra a supremacia da caridade acima de todas as convenções sociais e pessoais. O sacerdote e o levita eram bem os representantes religiosos do judaísmo e os judeus consideravam como próximo apenas os parentes, os correligionários, os compatriotas, com exclusão total dos gentios. Jesus visava ensinar então que todos até mesmo os inimigos merecem cabal consideração. Os seres humanos são chamados a formar nele um só corpo. Por isto Jesus apresentou como modelo um samaritano, dado que os samaritanos eram considerados como hostis aos judeus e por eles detestados. Foi, contudo, um samaritano que teve compaixão daquele que jazia por terra, despojado e coberto de feridas, abandonado meio morto. Mostrou comiseração e não foi indiferente e insensível perante o padecimento do desamparado. Sua atitude revelava um apelo à solidariedade com os sofredores.
Era assim que deviam proceder os discípulos de Jesus não agindo como o sacerdote e o levita judeus. Os seguidores de Cristo não poderiam ser espectadores mudos, indiferentes diante dos males alheios. A insensibilidade é pior do que a hostilidade, porque o indiferente perante as desgraças alheias, ignora os sofredores como se eles não existissem. Foi o que manifestaram aqueles que passaram e ignoraram uma pessoa humana padecente. O bom samaritano patenteou o verdadeiro sentido da compaixão. Multiplicou inclusive os gestos de caridade, não apenas procurando sanar as feridas, mas levando aquele estrangeiro a uma estalagem e assumindo todas as despesas da assistência que lhe seria dada. Toda uma série de ações decorrentes da comiseração e da bondade de seu coração. Jesus deixou claro como deviam proceder os que se chamariam cristãos, os quais precisariam multiplicar, dentro de suas possibilidades, a ajuda afetiva e efetiva ao próximo. Ele era o verdadeiro Bom Samaritano que não hesitou tomar nossa humanidade para nos oferecer a salvação, sacrificando-se por nós até à morte e morte de cruz. Como Mestre admirável com esta parábola ensinou o verdadeiro sentido da misericórdia, da comunhão com os outros. Todos os seus discípulos repletos de generosidade e de ternura, perdoando uns aos outros como Ele mesmo perdoou no alto de sua cruz aos que o maltrataram tão cruelmente: “Pai perdoai-lhes eles não sabem o que fazem”!
Segundo o Papa Bento XVI Jesus universalizou o conceito de próximo que deve ser objeto de ações concretas. Não se trata de um amor genérico e abstrato, mas requer um engajamento real aqui e agora. Lembrava então este Papa que no juízo final (Mt 25,31-46) o amor ao próximo se torna o critério para a decisão definitiva concernente ao valor ou o não-valor de uma vida humana. Jesus se identifica com aqueles que estão sofrendo, ou seja, os que têm fome ou sede, os estrangeiros, os doentes, os prisioneiros, os nus. Todas as vezes que alguém os amparou foi a Ele que foi feito este gesto de caridade. Eis o critério supremo para se alcançar a vida eterna. Por isto a procura da felicidade perene consiste na prática do amor fraterno. Eis aí um caminho não só desejável, mas possível a todos. Cumpre ter olhos para ver as feridas que fazem o outro sofrer e trabalhar na medida da possibilidade de cada para oferecer uma ajuda oportuna. Cumpre também então que se evite sempre não ser um espinho a mais na existência alheia. O samaritano da parábola de Jesus não se esquivou, mas socorreu logo quem jazia à beira do caminho. A todos os seus seguidores Jesus aconselhou então a fazer sempre o mesmo, agindo como aquele samaritano caridoso. Este não se esquivou, mas foi até àquele que jazia inerte por terra e assumiu todos os cuidados que aquele sofredor deveria receber, demonstrando um amor realmente atuante. A caridade tem sua lógica que não se limita a soluções paliativas. Muitas vezes não será à beira de um caminho que se deparará com alguém que sofre, mas tantas vezes são aqueles que estão sob o mesmo teto, os próximos mais próximos que precisam de uma palavra de alento, de atenção, de gestos de paciência. Este é o caminho do verdadeiro cristão cônscio de suas responsabilidades e solidariedades. Cumpre pedir ao divino Samaritano que abra nossos olhos para amparar os que se acham feridos, angustiados. Eles precisam ser amados e amparados, porque neles se verá sempre a figura de Jesus.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.