Oração e Ação

15/07/2019 às 10h18

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

O episódio ocorrido em Betânia onde moravam Maria e Marta leva a uma reflexão sobre a oração e a atuação nos afazeres diários (Luc 10,33-42). Cumpre conciliar os momentos dedicados à prece e aos trabalhos cotidianos. Maria estava escutando Jesus, se imergindo na Palavra de Deus, e Marta agindo, preparando a refeição para o ilustre hóspede. Entre os discípulos de Jesus uns são mais sensíveis aos bens espirituais e outros aos bens materiais. É preciso saber harmonizar uma e outra atitude. Jesus ao dizer a Marta que “Maria tinha escolhido a melhor parte, esta não lhe será tirada”, mostrava que a oração era superior à ação. Jesus, aliás, nas suas pregações sempre prescreveu uma caridade ativa. Célebre sua advertência: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21). Aos apóstolos, aos ouvintes, cada qual segundo o seu estado e profissão, Ele ensinou que é preciso cumprir os deveres que Deus lhes impõe enquanto durar a vida, pois com a morte cessa o tempo favorável para conquista da felicidade eterna. Ele repreendeu Marta, não pelo fato de que ela estava trabalhando, mas porque estava agitada. Há uma diferença enorme entre agir e se agitar. Como também não fazer nada não é rezar e menos ainda ser um contemplativo. Muitos ficam de tal modo envoltos nas tarefas a serem feitas que não encontram momentos de oração e acontece, igualmente, que há aqueles que não sabendo bem controlar o tempo descuram o cumprimento do dever de cada dia. O segredo do bem viver é transformar as menores ações em atos de amor a Deus e ao próximo. Assim sendo, nos instantes reservados à prece se pode tranquilamente usufruir a presença divina.

Jesus mostrou a Marta que ela estava inquieta e confusa com muitas coisas, imersa num materialismo insensato, tornando-se escrava de sua ocupação. Escapava-lhe o sentido de seu serviço e, agitada, ela perdia a alegria de poder servir a Jesus, tendo a paz interior. A maioria das distrações na oração vêm da preocupação com as coisas materiais. A prece e os afazeres não se opõem, mas bem compreendidos levam à fuga de toda mediocridade na oração e na ação. O verdadeiro cristão não pode definir o tempo da oração como uma simples inatividade, como não deve fazer da ação um agitamento desnecessário. Para conseguir este equilíbrio a prioridade, como salientou Jesus com relação a Maria, é a escuta da Palavra, das inspirações divinas advindas da oração. Desta é que fluem a sabedoria e a força necessárias para bem realizar as tarefas diárias. Muitas vezes pode ocorrer que a inquietação pela organização do trabalho leva a se perder o seu valor intrínseco. Com efeito, não se pode esquecer de que qualquer atividade em si é um serviço prestado ao próprio Mestre divino que disse: “O que fizerdes ao menor de vossos irmãos, foi a mim que o fizestes”. Portanto, continuamente se pode haurir os benefícios de tudo que se faz vendo no próximo a figura de Cristo. Neste caso não se age como Marta submersa na amplidão dos deveres. É preciso como Maria parar para verificar o que Deus realmente quer e lhe solicitar a energia necessária para bem agir. Nunca se valoriza demais o tempo que se reserva à oração individual ou comunitária que deve ser uma pausa no meio da agitação cotidiana.

Portanto, não se pode opor simplesmente uma Maria orante a uma Marta ativa; uma Maria piedosa a uma Marta agitada; uma Maria concentrada na oração a uma Marta dispersiva nos afazeres. Esta diferença entre as duas irmãs é também marcada pela postura delas perante Jesus.  Marta está preocupada em agradar o hóspede divino com uma multidão de ações, enquanto Maria se liga a Jesus pela escuta. Marta recebeu Jesus, mas não O escutava. Maria O escutando, mostra a atitude da discípula atenciosa e cortês. Marta queria que sua irmã a ajudasse e se esquecia de que ela estava prestando uma grande homenagem a Jesus ouvindo-O e assimilando sua palavra. Marta esperava que, diante da censura que ela fazia à irmã, que Jesus ordenasse que esta fosse ajudá-la. Sua resposta não foi o que Marta desejava, pois Ele não se deixou manipular. Não respondeu ao pedido de Marta, mas expôs uma prioridade entre as ações de ambas, louvando a atitude de Maria. Mostrou a Marta que a perfeição dos atos humanos não consiste na multiplicação dos mesmos. De fato, verdadeira ação, impregnada de amor ao próximo deve ser feita sempre numa união íntima com Deus, pois assim esta ação não se opõe à oração como pensava Marta. É que a prece é em si mesma uma ação na qual se apreende o verdadeiro serviço aos outros. Apenas quem reza como Maria pode fazer suas ações inteiramente agradáveis a Deus e úteis ao próximo, porque envoltas no mais profundo espírito fraternal. Sejamos laboriosos como Marta, mas tudo fazendo como Maria à luz da presença do Mestre divino.

* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


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