O mês de agosto é dedicado às vocações. Ao falar de vocação, somos interpelados a repensar nossa compreensão de Igreja e de ministério. Antes, quando se falava em trabalhar ou rezar pelas vocações, vinha logo à cabeça a ideia de conseguir mais padres para a Igreja. Para refletir sobre vocação, procurávamos passagens bíblicas que narravam o chamado dos grandes profetas e apóstolos. Isso mudou muito, ou deveria ter mudado, após o Concílio Vaticano II. Porque todas essas ideias estavam ligadas a uma eclesiologia que hoje não faz tanto sentido.
É bom se perguntar: Qual o modelo de Igreja ao qual nos referimos quando falamos de vocação? Qual a nossa maneira de ler, entender e viver a Bíblia?
A partir da eclesiologia do Vaticano II, vamos nos deparar com uma Igreja Comunhão, convocada pela Trindade, “povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG, 4). Uma Igreja comunidade de amor e de serviço, onde todos os seus membros vivam “em estado de vocação e de missão”, que supera todo tipo de centralismo e clericalismo (cf. SD n. 97).
Ao definir a Igreja como “Povo de Deus”, o Vaticano II provoca uma mudança radical também no conceito de vocação. Se toda pessoa batizada é Igreja, a vocação é dom de todos, e não apenas de um grupo seleto pertencente à hierarquia ou à vida consagrada. Daí, a importância de destacar o protagonismo dos leigos e leigas. Se antes a hierarquia era considerada detentora do saber e das decisões, deixando aos leigos o papel de obedecer e colaborar, hoje isso não faz o menor sentido. Aliás, o próprio Código de Direito Canônico afirma que todos os batizados participam da missão da Igreja e do tríplice múnus de Cristo (Cân 204), em igualdade de dignidade e atividade na construção do Corpo de Cristo (Cân 208). Se isto é levado a sério, a Igreja respeitará a igual dignidade e a variedade de funções (LG, 32), abrindo espaço para a corresponsabilidade, a comunhão e a participação.
A outra questão diz respeito à dimensão vocacional de toda a Bíblia. Ela é, sem dúvida, a primeira e grande fonte para uma reflexão sobre a vocação. Todos os livros da Bíblia manifestam, de alguma forma, o chamado de Deus para a vida ou para a missão. Pode-se dizer, neste sentido, que a Sagrada Escritura é uma biblioteca vocacional. É preciso estar atentos à força vocacional da Palavra de Deus. Ali vamos encontrar incontáveis expressões do amor de Deus que escolhe, chama, prepara, envia e acompanha na missão.
E aí surge um outro detalhe, que é a grande motivação de amor que se esconde ou se revela nessa realidade bonita da vocação. É comum se usar a expressão: “Deus nos chamou para...”. E a gente não para no “chamou”. É o que chamamos de visão utilitarista da vocação. Deus só nos chama porque quer o nosso trabalho. Mas não. Deus nos chama porque nos ama. Chama porque quer nos dar a oportunidade de estar com Ele, fazer a experiência da sua presença, da sua intimidade, do seu amor. Chama porque quem ama quer estar próximo da pessoa amada. Porque sente prazer em partilhar sua vida conosco.
“Não chamo vocês de servos, diz Jesus, mas de amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes dei a conhecer”. “Não foram vocês que me escolheram, mas eu que escolhi vocês” (Jo 15,15-16). O amor toma a iniciativa, partilha, busca a presença e a intimidade. Deus não nos chama para, mas porque ama. Naturalmente, a experiência desse amor tão puro e infinito nos motiva a querer partilhá-lo com outros e a amar servindo, fazendo o bem. E daí nasce a missão.
Por isso, podemos dizer que vocação é um gesto bonito do amor de Deus e que deve encontrar em nós uma resposta livre e bonita de amor. “Para se responder ao chamado de Deus é preciso amar”. E amar significa ser solidário, estar atento, sensibilizar-se, ter compaixão de quem sofre (Mt 15,32), aproximar-se dos caídos (Lc 10,30-37), restituir a dignidade (Jo 8,11), dar carinho aos não-amados, ouvir o clamor (Ex 3,7-8), fazer justiça “ao órfão e à viúva” (Sl 146,9), comprometer-se com a vida. Significa enxergar nos diversos rostos sofridos e marcados pela fome, pela dor, pela violência, pela pobreza, a face desfigurada e amorosa de Cristo.
Pe. José Antonio de Oliveira