Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na Cruz Jesus se manifestou como Rei num episódio cujos detalhes merecem uma reflexão profunda por parte de seus seguidores (Lc 23,l35-43). Como era costume no seu tempo no caso de um condenado à tortura da cruz, no alto da mesma, havia uma tabuleta, que esclarecia o motivo daquela crucifixão. No caso de Cristo lá estava uma inscrição em grego, latim e hebraico: “Este é o rei dos judeus”. A Judéia era governada diretamente pelo Procurador romano e não tinha, de fato, um rei como outras regiões vizinhas. As autoridades de então estavam ironicamente a mostrar aos que haviam reconhecido Jesus como o Messias-Rei o destino desastrado do mesmo. Entretanto, mesmo os que acertadamente viam em Cristo o soberano de que falaram os profetas, erravam ao julgar que Ele era Rei num sentido político. Pensavam que Ele haveria de expulsar os romanos invasores e ofereceria ao povo judeu sua autonomia perdida, dando-lhe um reino humanamente glorioso. Enganavam-se os que assim julgavam ser esta a missão daquele que fizera tantos milagres e se mostrara como o libertador dos mais necessitados. Jesus, contudo, não deixou ilusão ao responder claramente a Pilatos no processo a que fora submetido: “Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36), Bem, podemos, contudo imaginar a decepção daqueles que o haviam aclamado na entrada triunfal em Jerusalém poucos dias antes. Agora estavam diante do Filho de Davi, perante um Messias retalhado de feridas pendente no lenho de um suplício humilhante. Jesus, antes de morrer, como narrou São Lucas, observava diante de si aqueles que o olhavam desiludidos; os chefes que zombavam dele; os soldados romanos os quais caçoavam daquele pobre homem ali martirizado. São Paulo dirá com propriedade aos Coríntios que Jesus era “um escândalo para os judeus e uma loucura para os pagãos” (1 Cor 1,23). Ao lado, porém, do Mártir divino lá estavam dois famigerados ladrões. Um a provocá-lo: “Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e nós”. O outro a proclamar solenemente a realeza e a divindade de Cristo ao lhe dizer: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres na auréola de tua realeza”. Mereceu uma resposta admirável de alguém que era, realmente, Rei: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso”, Gestas se equivocou porque Jesus não veio para libertar da cruz. Dimas acertou, dado que Ele viera salvar pela cruz .Aí uma notável mensagem. Com efeito, aqueles sofrimentos, aquela cruz eram a manifestação de um grande amor. São João magistralmente havia explicado: “Como amasse os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). A cruz seria a prova definitiva da dileção imensa do Rei do Universo que havia dito: “Ninguém dá maior prova de amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Pendente da Cruz, Ele demonstrou que era um Rei que viera não para salvar da cruz, mas para libertar pela cruz, sinal definitivo de um amor imenso pela humanidade da qual se tornara o Soberano, abrindo aos que O amam um Reino eterno de glórias conquistado com tantos sofrimentos. Deixou, contudo, uma ordem para seus súditos: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (Mt 16,24) . Hoje este Rei está a interrogar a cada um de nós se temos carregado a nossa cruz, pois a dele Ele carregou até o Calvário. Ele não está a exigir sacrifícios impossíveis, mas sim o cumprimento exato do dever de cada dia, a paciência diante dos naturais sofrimentos inerentes a um exílio terreno. Ele pede uma fidelidade incondicional na fuga corajosa do pecado.. Ele quer a observância corajosa dos Mandamentos e muito amor a Ele e ao próximo. É a cruz de uma luta sem tréguas contra o mal, de uma caridade sem limites para com todos, de uma cooperação generosa na difusão do Evangelho no meio em que se vive, sobretudo através do exemplo. Uma vida voltada para Ele, Rei do universo, ao qual cada um foi consagrado no dia de seu Batismo. Os batizados O devem fazer conhecido e amado. Jean-Christian Lévêque, foi inspirado ao dizer que “o reinado de Jesus é o brilho universal de sua palavra, é a iluminação do coração daquele que crê, é o incêndio do amor até os confins da terra a começar pelo incêndio de nosso coração, onde tudo deve arder para glória de Deus e salvação do mundo”. Pensemos nisto!
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.