Contemplação e Ação

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho - Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

18/07/2016 às 10h55

A visita de Jesus à casa de Marta e Maria oferece oportunidade para se refletir sobre a contemplação e a ação (Lc 10, 38-42). Marta representa as pessoas que sabem ser eficientes, que fazem tarefas úteis. Maria é bem a figura dos contemplativos que sabem ter tempo para escutar Jesus, recebendo as luzes da palavra divina. Muitos são mais inclinados para os bens materiais imediatos, outros para as riquezas espirituais mais valiosas com relação à vida eterna. Por toda parte há ativos e contemplativos, mas o certo é conciliar a ação com a contemplação.

O mesmo Jesus que elogiou a atitude de Maria que O escutava atentamente, várias vezes louvou a caridade ativa, quando, por exemplo, Ele afirmou: “Nem todo que me diz – Senhor, Senhor entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt, 7,21). Assim, não bastam palavras fervorosas ou obras carismáticas se falta o cumprimento do dever específico de cada um. Logo, ao enaltecer Maria, Ele não estava menoscabando a refeição preparada por Marta. É, aliás, de se notar que Jesus repreende Marta não porque ela age, mas porque está agitada. Como observam os comentaristas, há uma diferença profunda em agir e agitar. Além disso, não fazer nada não significa ser um contemplativo digno da aprovação de Deus. Compatibilizar a oração e a ação se faz indispensável para atingir o único necessário. Aliás, cumpre até transformar tudo que se faz em hinos a Deus e se servir da prece para melhor fazer a vontade divina.

O que faltava a Marta era esta reta intenção e, por isto, ela estava toda absorvida na sua atividade e, pelo visto, até se esquecia do ilustre visitante. A prova que Marta estava numa agitação febril é que ela até repreendeu sua irmã Maria, fazendo aflorar uma discórdia entre elas. Marta no seu agitamento perdera a tranquilidade, a serenidade, a paz interior. Eis porque sábio é aquele que pela manhã diz a Deus: “Senhor, tudo que hoje farei será para a vossa maior glória e bem das almas. Basta-me a vossa graça e nada mais vos peço”. Então por mais difíceis que sejam as tarefas a calma transpira na vida deste cristão, o qual, porém, saberá reservar um tempo para a tertúlia com a Trindade que habita em sua alma.

Cada uma das ações humanas só têm valor se envolvidas no Amor trinitário, o que é possível para quem vive na presença de seu Senhor. Este cristão sabe que rezar e servir é amar a Deus e ao próximo. Escutar a palavra de Deus, como ensinam os teólogos, significa iluminar as prioridades de cada instante e isto muda o modo de ser de cada um perante Deus e o próximo. Isto dá um sentido aos acontecimentos de cada instante, inclusive às alegrias como aos padecimentos. . Como ensina o salmista, a Palavra de Deus é luz para os olhos de quem crê” (Ps 118,105). Muitos no mundo de hoje perdem como Marta o espírito de interiorização e com isto se tornam superficiais. Como bem se expressou o Pe. Yvon- Michel Allard, “se o espiritual é sufocado, cria-se um vazio e um desequilíbrio perigoso”. Deste modo, Marta e Maria nos lembram dois aspectos importantes da vida do cristão. O que bem entendeu Santo Inácio de Loyola ao ensinar que os cristãos devem ser “contemplativos na ação” e isto significa segundo o lema de São Bento “reza e trabalha” – ora et labora. Daí a importância da participação atenciosa na Missa dominical, quando, de modo especial, longe do bulício externo, se busca na Palavra de Deus o alimento que sustenta nas atividades semanais. Como bem lembrou o Pe. Anselmo Grum, “Muitos cristãos costumam participar do ofício religioso com espírito inquieto e não encontram o que procuram.

Muitas vezes esta inquietação tem algo a ver com o seu desequilíbrio interior, porém mesmo pessoas equilibradas que têm sensibilidade para o silêncio, costumam tê-lo em falta, em meio `à liturgia”. , Portanto, dai resultam as distrações a serem combatidas. Além disto, como seria bom que mais assiduamente se desligassem a televisão, os celulares para momentos de preces a Deus, expondo-Lhe todas as preocupações e ouvindo seus recados que visam o progresso espiritual de seu discípulo. Muitas inquietações tomam conta daquele que não para a fim de escutar a Deus. É salutar colocar um parênteses entre o passado e o futuro e curtir a presença daquele no qual “existimos, nos movemos e somos”. Uma atividade febril rouba a beatitude interior e é fonte de distúrbios psicossomáticos. Nem sempre se está atento ao essencial como acontecia com Marta, embora o essencial não seja uma mera passividade, mas um engajamento sério de toda vida, que deve ser planejada dentro do binômio ação contemplação.

Na sua alocução ao Angelus de 21 de julho de 2013 o Papa Francisco assim se expressou: “É da contemplação, ou seja, de uma relação de amizade com o Senhor que nasce em nós a capacidade de viver e levar aos outros o amor de Deus, sua misericórdia e sua ternura. E também nosso trabalho junto de cada irmão em necessidade, na ajuda nas obras de caridade nos leva ao Senhor, porque justamente vemos o Senhor no irmão e na irmão que sofre”. É que no silêncio de uma prece fervorosa o verdadeiro seguidor de Cristo encontra iluminações e forças para uma atividade benéfica para si e para os outros.


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