Francisco: uma Igreja da base

29/11/2016 às 15h03

“Francisco é mais que um nome: é um projeto de Igreja, de uma sociedade mais simples e solidária”. Essa afirmação é de Leonardo Boff, em entrevista à Carta Maior, por ocasião do primeiro ano de pontificado do papa Francisco. Essa afirmação vai ficando cada vez mais clara.

O jeito de Francisco é mesmo uma volta às origens e um resgate da Igreja pobre para os pobres, profética, promotora da vida.

Desde sua ida à Ilha de Lampedusa, poucos meses após o início do seu pastoreio, onde foi “chorar os mortos que ninguém chora” e chamar a atenção do mundo para os mais excluídos e rejeitados, até as visitas a cadeias e hospitais, às periferias da sociedade, ele tem gritado ao mundo que aí está o foco do Evangelho.

Suas visitas ao Sri Lanka, Albânia, Cisjordânia, Bolívia, Cuba, Equador, Paraguai, Quênia, Uganda, República Centro-Africana, revelam sua preocupação com os pequenos. Quando visitou países considerados grandes e ricos, como Estados Unidos e França, foi para exigir justiça e respeito aos direitos humanos. Francisco mostra que uma sociedade justa e uma Igreja fiel não se constroem a partir dos grandes, mas do povo, da base, de baixo para cima. Como fez Jesus.

Este, ao se dirigir aos chefes, às autoridades, lideranças políticas e religiosas, tem quase sempre um discurso duro e exigente. Mas para o povo simples, para os sofredores, excluídos, tem sempre palavras de carinho, de misericórdia, de esperança. “Ai de vós...”. “Vinde a mim...”.

Francisco revela uma igreja do coração, muito mais que do poder. Do amor e da compaixão, muito mais que das tradições e da norma pela norma. Mas sabe também mandar seu recado a quem precisa. Não adoçou palavras para se dirigir à Cúria Romana. Falou das doenças que atacam muitos daqueles que deveriam ser exemplo, por fazerem parte do governo da Igreja: ser duros de coração; portar-se como “máquinas” e não como “homens de Deus”; ser contadores ou comerciantes; querer domesticar o Espírito Santo; sofrer de “alzheimer espiritual”; deixar-se levar por rivalidades e vanglória; valorizar a aparência, as cores das vestes e as insígnias de honra; viver uma vida dupla, fruto da hipocrisia dos medíocres; preocupação com títulos; burocracia; fofocas e murmurações; matar a honra dos outros (“homicida a sangue frio”) - covardes que falam pelas costas; bajular os Superiores em busca de recompensa; carreirismo...

Mais recentemente, mandou recado ao agora presidente eleito dos Estados Unidos. Na viagem de volta da visita ao México foi interrogado sobre o então candidato Donald Trump. Disse que não entraria na questão do voto, mas afirmou: “Uma pessoa que pensa apenas em construir muros, onde quer que seja, e não em construir pontes, não é um cristão”. Francisco saber usar da diplomacia sem nenhum prejuízo à profecia.

Jesus escolheu prioritariamente gente simples para trabalhar com ele na construção do Reino. Não foi atrás dos poderosos, a quem ignorava e criticava. Francisco aposta na organização do povo trabalhador. Pela segunda vez, participa ativamente do Encontro Mundial dos Movimentos Populares. De 2 a 5 de novembro, acolheu o 3º Encontro. Afirmou que esses movimentos são os semeadores da mudança tão sonhada. São os promotores do processo de conquista de algumas metas imprescindíveis: fazer com que a economia esteja a serviço das pessoas; construir a paz e a justiça; defender a Mãe Terra.

Conclamou a todos a “abraçar um projeto de vida que rechaça o consumismo e recupera a solidariedade, o amor entre nós e o respeito à natureza como valores essenciais”. A buscar uma “vida boa”, em vez do ideal egoísta que propõe a “boa vida”. Disse que a luta do povo organizado lhe “dá força”. E defendeu o projeto dos três ‘T’s: terra, teto e trabalho.

Reconheceu que essa gestação de uma sociedade menos centrada no dinheiro e mais voltada para a pessoa “é ameaçada por forças poderosas” que podem neutralizar este processo. “Quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da iniquidade, da violência econômica, social, cultural e militar (...) O medo, além de ser um bom negócio para os mercadores de armas e de morte, nos debilita, nos desequilibra, destrói nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do sofrimento alheio e, ao final, nos torna cruéis”. Por isso Jesus nos diz: “não tenham medo” (Mateus 14, 27). “Sigamos trabalhando para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração”.

Pe. José Antonio de Oliveira.


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