Homilia de Dom Geraldo na Missa em Ação de Graças pela formatura do curso de Filosofia da FAM

11/12/2016 às 21h47

A missa em ação de graças pela formatura do curso de Filosofia da Faculdade Arquidiocesana de Mariana (FAM) foi celebrada nesse sábado, 10 de dezembro, em Mariana, pelo arcebispo Dom Geraldo Lyrio Rocha.

Leia na íntegra a homilia de Dom Geraldo:

MISSA EM AÇÃO DE GRAÇAS

PELA FORMATURA DO CURSO DE FILOSOFIA DA FAM – 2016

 

Sb 9,1-2, 4ª.11.17-18

Salmo 39

Jo 15, 7-17

“Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e ser-vos-á concedido” (Jo 15,7), ouvimos há pouco na proclamação do evangelho. Jesus aponta para a eficácia da oração que só se alcança se permanecermos nele e suas palavras permanecerem em nós. O amor é o princípio da relação entre o Pai eo Filho. É esse mesmo amor que dá origem à Igreja, comunidade dos discípulos de Jesus: “Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). Este é também o lema do Ano da Vocação Sacerdotal que estamos realizando em nossa Arquidiocese de Mariana. Mas isto só se realiza na obediência à vontade de Cristo, seguindo o seu exemplo: “Se observais os meus mandamentos permanecereis no meu amor, como eu guardei os preceitos de meu Pai e permaneço em seu amor” (Jo 15,10). De que adiantaria a sabedoria humana, para que serviriam os títulos acadêmicos, qual o motivo de tanto esforço nos estudos, se nos faltasse o amor de Cristo que foi derramado em nossos corações? “Este é o meu preceito: amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. O amor cristão tem como modelo o exemplo de Jesus, bom pastor“que dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,11). É o próprio Senhor quem nos concede a capacidade de buscarmos viver esse ideal.

Embora o Curso de Filosofia da FAM seja aberto a todos os que desejam aprimorar seus estudos filosóficos e obter o grau acadêmico do bacharelato, seu primeiro objetivo visa a formação dos candidatos ao ministério sacerdotal.  Por isso, à luz desta palavra que hoje nos é comunicada, podemos entender em profundidade o que nos recordam as Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil:O objetivo geral da formação dos candidatos à vida presbiteral e da formação permanente dos presbíteros é levá-los a serem santos, discípulos missionários, como “verdadeiros pastores do Povo de Deus, a exemplo de Jesus Cristo, Mestre, Sacerdote e Pastor” (Lv 19,1; Ef 1,4) (OT, n. 4) (84). Mas queremos formar pastores “com cheiro de ovelhas”, segundo a expressão do Papa Francisco.

Tendo em vista o ministério, a formação deve alcançar os seguintes objetivos específicos: exercitar na oração e na meditação para serem mestres de oração; preparar para o ministério da Palavra, a fim de que entendam sempre melhor a Palavra revelada de Deus, que a possuam pela meditação e a exprimam por palavras e atitudes; preparar para o exercício do ministério do culto e da santificação a fim de que, pela oração e o desempenho das sagradas celebrações litúrgicas, realizem a obra da salvação através do Sacrifício Eucarístico e dos demais Sacramentos; preparar para o exercício do ministério pastoral a fim de que saibam, diante dos homens, representar a Cristo, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em redenção de muitos” (Mc 10,45) (OT, n. 4) (86).

Alerta a nova RatioFundamentalis, publicada no dia 08 de dezembro próximo passado: “O sacerdote, não deve ser um homem ‘do fazer’; o pastor aprende a sair das próprias certezas pré-constituídas e não pensará seu ministério como uma série de coisas a serem feitas ou normas a serem aplicadas, mas fará da própria vida o ‘lugar’ de uma acolhedora escuta de Deus e dos irmãos”.

A formação intelectual, como as demais dimensões, orienta-se a formar pastores do Povo de Deus, a exemplo de Jesus Cristo, os quais se caracterizem como discípulos, missionários, servidores cheios de misericórdia. “Com essa finalidade, a formação intelectual, embora possuaa sua especificidade, liga-se profundamente à formação humano-afetiva, espiritual e pastoral-missionária, a ponto de se constituir uma expressão necessária, configura-se efetivamente como uma exigência irreprimível da inteligência pela qual o homem ‘participa da luz da inteligência de Deus’ e procura adquirir uma sabedoria que, por sua vez, se abre e orienta para o conhecimento e a adesão a Deus” (PDV, n. 51). No contexto da formação dos presbíteros, a atenção e o apreço pela dimensão intelectual éuma questão de fidelidade a Deus, fidelidade ao seu povo, fidelidade a si mesmo, e um modo singular de viver o discipulado (310).

Na primeira leitura, tirada do livro da Sabedoria, Salomão pede ao Senhor: “dá-me a sabedoria que se assenta contigo no teu trono, pois ela tudo conhece e compreende, e me guiará com prudência em meus trabalhos, protegendo-me com a sua glória”. É dessa sabedoria que todos nós necessitamos. Entretanto, não estamos dispensados de nos aprofundar nos estudos para penetrarmos nos segredos da vida, da história e do próprio Deus. Para isso, os formandos de hoje se dedicaram com afinco, ao longo de três anos, a fim de obterem o bacharelado em Filosofia. Com clareza e precisão, dizem as Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil: “A formação filosófica é um dos elementos constitutivos daformação presbiteral, quer para a adequada interpretaçãodo ser humano e do mundo, da história e da sociedade, do pensamento humano e das correntes culturais e religiosas do nosso tempo, quer como suporte para o diálogo com o mundo contemporâneo, quer para a descoberta dadimensão transcendente da existência” (164).

O livro da Sabedoria nos interroga: “Acaso alguém teria conhecido o teu desígnio, sem que lhe desses Sabedoria e do alto lhe enviasses teu Santo Espírito?” Para ajudar-nos a encontrar resposta a tão relevante interrogação, as Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil apontam o caminho:Para conjugar bem a formação intelectual com outras dimensões,sobretudo a espiritual e pastoral-missionária,“a formação intelectual deve ser integrada num caminhoespiritual marcado pela experiência pessoal de Deus, demodo a poder superar uma pura ciência conceitual e chegaràquela inteligência do coração que sabe ‘ver’, primeiro,o mistério de Deus, e depois é capaz de comunicá-lo aos irmãos”(PDV, n. 51). Como diz São Boaventura: “Ninguémpense que lhe baste a leitura sem a unção, a especulaçãosem a devoção, a busca sem o assombro, a observação sema exultação, a atividade sem a piedade, a ciência sem acaridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem agraça de Deus, a investigação sem a sabedoria da inspiraçãodivina” (PDV, n. 53) (311).

É da própria natureza do ministério ordenado que aformação intelectual encontre sua específica justificativae manifeste a sua urgência face aos enormes e complexos desafios que se antepõem à missão evangelizadorada Igreja. “Se cada cristão deve estar pronto adefender a fé e a dar a razão da esperança que vive em nós’(1Pd 3,15), com muito maior razão os formandos e os presbíterosdevem manifestar um diligente cuidado pelo valorda formação intelectual na educação e na atividade pastoral”(PDV, n. 51). A situação atual, marcada simultaneamente por uma busca diversificada de expressões religiosas e por uma desconfiança nas capacidades da razão, e ainda por uma mentalidade técnico-científica que ignora as questões éticase religiosas, exige um nível excelente de formação intelectual.“Acrescente-se ainda que o atual fenômeno do pluralismo,bem acentuado não só no âmbito da sociedade humana,mas também no da própria comunidade eclesial, requeruma particular atitude de discernimento crítico: é um ulteriormotivo que demonstra a necessidade de uma formaçãointelectual, a mais séria possível” (PDV, n. 51; DAp, n. 323).São de índole profundamente espiritual e pastoral as razõesque urgem uma cuidadosa e responsável atenção à dimensãointelectual na formação do presbítero discípulomissionário (312).

Diz-nos ainda o livro da Sabedoria: “Só assim se tornaram retos os caminhos dos que estão na terra, e os homens aprenderam o que te agrada, e pela Sabedoria foram salvos” (Sab 9,17-18). Há quem levante a pergunta: Para que dedicar tanto tempo ao estudo da filosofia? Para ser padre, não bastaria uma boa formação teológica? Por que exigir a formação em filosofia como pré-requisito para o Curso de Teologia? As Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil nos dão a resposta a essas e outras interrogações:Um dos elementos constitutivos da formação presbiteral,quer para a adequada interpretação do homem, do pensamentohumano, da história e das correntes culturaisdo nosso tempo, quer para a compreensão da teologia,da pastoral e da evangelização, é a necessidade de umaconsistente formação filosófica. “Um momento essencialda formação intelectual é o estudo da filosofia que levaa uma compreensão e interpretação mais profunda dapessoa, da sua liberdade, das suas relações com o mundoe com Deus” (PDV, n. 52). O futuro presbítero não podeprescindir de instrumento tão eficaz no processo de discernimentoda verdade, pois “em face de uma situação culturalbastante generalizada que exalta o subjetivismo como critérioe medida da verdade, somente uma sã filosofia podeajudar os candidatos ao sacerdócio a desenvolverem umaconsciência reflexiva da relação constitutiva existente entreo espírito humano e a verdade, essa verdade que se nosrevela plenamente em Jesus Cristo” (PDV, n. 52) (323).

Orientados a preparar os futuros pastores do Povo de Deus,que, seguindo Jesus Cristo, o Bom Pastor, caracterizem-secomo discípulos, missionários, servidores e cheios de misericórdia, os estudos filosóficos visam a ensinar e aprendera pensar. Orientados a formar pastores do Povo de Deus, os estudos filosóficos destinam-se a formar filósofos em seu sentido primitivo. Disse Bento XVI na Encíclica SpesSalvi: “Por filosofia não se entendia entãouma difícil disciplina acadêmica, tal como ela se apresenta hoje. O filósofo era antes aquele que sabia ensinar a arteessencial: a arte de ser retamente homem, a arte de vivere de morrer, ...como mestre de vida, ... que soubesse realmenteindicar o itinerário da vida” (SpS, n. 6)(324).

Inesquecíveis e sempre iluminadoras são as palavras do Papa São João Paulo II na Encíclica FidesetRatio sobre as relações entre fé e razão: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração humano o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de o conhecer a ele, para que, conhecendo-o e amando-o, o ser humano possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2).

A Palavra de Deus e o Pão da Vida que repartimos nesta Eucaristia em ação de graças pela conclusão do Curso de Filosofia da Faculdade Dom Luciano Mendes de Almeida, nos leve ao conhecimento de Deus e à verdade plena sobre nós mesmos e a viver a arte essencial do amor. Amém!


Voltar

Confira também: