Neste ano de 2017 estamos celebrando o centenário das aparições de Nossa Senhora aos pastorzinhos Lúcia, Francisco e Jacinta em Fátima, Portugal. A doutrina da Igreja Católica distingue claramente a Revelação pública destinada a toda a humanidade e expressa nas Sagradas Escrituras (Antigo e Novo Testamentos), que encontra na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo a sua plenitude e conclusão, das chamadas revelações privadas. Diz o Catecismo da Igreja Católica, citando a Escritura e São João da Cruz: “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho” (Hb 1,1-2). Cristo o Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não haverá outra palavra senão esta. São João da Cruz, depois de tantos outros, exprime isto de maneira luminosa, comentando Hb 1,1-2:
Porque em dar-nos, como nos deu, seu Filho, que é sua Palavra única (e outra não há), tudo nos falou de uma só vez nessa única Palavra, e nada mais tem a falar, (...) pois o que antes falava por partes aos profetas agora nos revelou inteiramente, dando-nos o Tudo que é seu Filho. Se atualmente, portanto, alguém quisesse interrogar a Deus, pedindo-lhe alguma visão ou revelação, não só cairia numa insensatez, mas ofenderia muito a Deus por não dirigir os olhares unicamente para Cristo sem querer outra coisa ou novidade alguma” (CIC 65).
Contudo, ensina o mesmo Catecismo da Igreja Católica: “No decurso dos séculos houve revelações denominadas “privadas”, e algumas delas têm sido reconhecidas pela autoridade da Igreja. Elas não pertencem, contudo, ao depósito da fé. A função delas não é “melhorar” ou “completar” a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a viver dela com mais plenitude em determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o senso dos fiéis sabe discernir e acolher o que nessas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou de seus santos à Igreja” (CIC 67). Dessa forma devem ser compreendidas as visões e revelações ocorridas após a conclusão do Novo Testamento, como é o caso da mensagem de Fátima, reconhecida pela autoridade da Igreja.
No comentário teológico que acompanha a publicidade dada à terceira parte do “segredo” de Fátima no ano 2000, assinado pelo então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Cardeal Ratzinger, sublinha-se a estrutura antropológica das revelações privadas, própria das visões de Fátima, Lourdes e outras. Trata-se de percepção interior e que para o vidente tem força de presença equivalente à manifestação externa sensível. Não se trata de imaginação subjetiva ou fantasia, mas de visão através dos “sentidos internos”. A visão interior é marcada pelas limitações da subjetividade, como acontece também com a visão exterior. As visões são feitas de uma linguagem simbólica, onde se encontram o impulso divino e as possibilidades subjetivas das crianças como no caso das aparições de Fátima. Não são fotografia do Além. O importante é a compreensão global da visão como profecia cristã ou apelo e indicação da vontade de Deus.
As aparições de Nossa Senhora aos pastorzinhos em Fátima se deram em momento dramático da história da humanidade, revelando mais uma vez a predileção de Deus pelos pequenos e pobres e a sua compaixão para com a humanidade sofredora necessitada de salvação. Os apelos a oração, conversão e consagração ou entrega ao Imaculado Coração de Maria, evidenciam o caráter profético da mensagem de Fátima. Lembremo-nos do início da pregação de Jesus: “Cumpriu-se o tempo e o Reino está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Os instrumentos são simples e ingênuos para os racionalistas, mas o olhar retrospectivo sobre o século XX, século de mártires, de sofrimento e perseguições à Igreja, século de duas guerras mundiais e muitos outros conflitos, de ateísmo sistemático e prático, da possibilidade de autodestruição em conflito nuclear, permitem perceber o realismo da mensagem de Fátima e o renovado anúncio do primado da graça, da força da oração e do amor cristão. Vale aqui a análise de São João Paulo II na Encíclica Centesimus Annus (1991). Para além do uso manipulador e ideológico que se fez muitas vezes da mensagem de Fátima, é preciso recuperar a sua profecia.
A Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Fátima em Viçosa pretende celebrar o centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima em Portugal vivenciando um Jubileu Mariano. Com o apoio de Dom Geraldo Lyrio Rocha, solicitamos à Santa Sé a concessão de Indulgência Plenária nas condições costumeiras. Fomos atendidos. O Ano Mariano será marcado por celebrações e verdadeira catequese mariana no espírito do Concílio Vaticano II, da Exortação Apostólica Marialis Cultus do Beato Papa Paulo VI, da Encíclica Redentoris Mater de São João Paulo II e da visão mariana das Conferências Episcopais Latino-Americanas e Caribenhas, especialmente as de Puebla e Aparecida. Aproveitaremos também a recente experiência da Arquidiocese de Mariana com o subsídio Caminhando com Maria por ocasião da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida às nossas paróquias. Pretendemos apresentar Maria totalmente imersa no mistério de Cristo e da Igreja, com a devida fundamentação bíblica e teológica e, ao mesmo tempo, próxima da vida do povo como intercessora, companheira da caminhada de fé e exemplo de vida cristã, fortalecendo a nossa esperança e incentivando a caridade fraterna. Assim, as aparições de Fátima serão vistas na perspectiva do profetismo e do seguimento de Jesus para que tenhamos comunidades vivas e acolhedoras da Palavra de Deus, comprometidas com o serviço e a missão de anunciar e testemunhar o Reino de Deus.
Cônego Lauro Sérgio Versiani Barbosa
Pároco da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Fátima em Viçosa
Vigário Episcopal da Região Pastoral Mariana Leste