Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Logo que Jesus começou a pregar, segundo São Mateus Ele proclamou: “Convertei-vos porque o reino dos céus está próximo (Mt 12-23). O reino dos céus, ou seja, o reino de Deus, como se expressam os outros evangelistas. Surge então de plano esta indagação: Em que consiste este reino pelo qual imploramos quando recitamos o Pai Nosso. Esta é, de fato, uma prece repetida tantas vezes: “Venha a nós o vosso reino”. É de se observar primeiramente que este reino não é identificável com um lugar ou algum território delimitado. Em grego ele designa a ação ou o fato de reinar. Quando então Cristo nos diz que o reino dos céus está próximo Ele quer nos fazer compreender que Deus envolve o homem no coração de sua vida, no cerne de sua condição humana, e, deste modo, no centro de seus sofrimentos e de todos os seus problemas. É o que está expresso no salmo 139: “Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me sento e quando me levanto: de longe percebes os meus pensamentos. Sabes muito bem quando trabalho e quando descanso; todos os meus caminhos te são bem conhecidos. Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor” (Sl 130, 1-4). Cumpre, contudo, não esquecer que Deus vem a nós de uma maneira que nos ultrapassa sempre. Ele chega com uma generosidade infinita, com sua misericórdia sem limites, com riquezas ilimitadas. Ele se aproxima com a superabundância de sua grandeza, exercendo seu poder real além de qualquer esperança humana. Entretanto, nem sempre se está atento a esta realidade sublime e desta forma não se deixa que Ele aja na plenitude de sua grandiosidade de acordo com as precisões de cada um. Ele acolhe e escuta as preces de seus filhos e contempla todas as suas necessidades. Ele quer atuar naquilo que é o mais profundo das aspirações de cada um. Contudo, Jesus deixa claro que há uma condição: “Convertei-vos”. O ser humano é contingente, limitado, inclinado para o mal por força do pecado original e precisa, realmente, de uma metanoia constante, isto é, de se converter para as coisas do alto, desapegando-se de seus erros, de seus pecados, de suas revoltas contra o seu Criador. Apenas assim Deus pode reinar no coração de suas criaturas. Por não tomar conhecimento de que o Reino de Deus está no seu meio há a tendência de pensar neste reino lá na eternidade, na felicidade sem fim. Voltado para um futuro longínquo, o cristão passa a ignorar a inefável atual presença de Deus na qual deve estar envolto. Cristo lançou uma verdade capital, ou seja, é agora, no momento presente que já se deve degustar a luminosidade deste reino, como condição, aliás, de possuí-lo após a passagem pela porta da morte. É um grande equívoco pensar que se vive em um tempo, o tempo de hoje, o tempo da terra e que depois se passará para outra situação que é a eternidade. O estado de conversão, porém, situa o cristão numa realidade que continuará após sua passagem por esta terra. O reino de Deus começa aqui e agora! Através do hoje vivido numa espiritualização contínua os tempos eternos estão já vividos. Após a morte, o homem não passa desta terra a outro lugar, mas prossegue a viver o que existia já no fundo de sua vida terrestre por meio de uma conversão ininterrupta que o leva à união com o seu Senhor. A teologia ensina que a graça santificante na qual deve viver o discípulo de Jesus é a semente da glória sem fim. É o reino de Deus já existindo no íntimo de cada um crescendo initerruptamente segundo o processo de conversão ao qual o cristão se entrega. É necessária a atenção às primícias deste reino já vivido neste mundo, primícias da vida eterna. O que Jesus então propõe a seu seguidor é ter o olhar fixo neste tesouro imenso que é sua presença na alma através da graça santificante na qual se deve crescer continuamente através de uma conversão perseverante. No dia do Batismo houve já a inauguração da vida eterna para cada cristão. Este vida eterna já começou em nós na medida em que se presta atenção nas realidades sobrenaturais e se vai progredindo na prática das virtudes. É assim que se usufrui plenamente da beatitude do reino dos céus e de sua iluminação. Assim sendo, nunca se reflete demais no conselho dado pelo divino Redentor: “Convertei-vos, porque está próximo o reino dos céus”. Daí uma luta sem trégua contra o pecado numa fuga destemida de todas as ocasiões que conduzem à perda deste reino de Deus.
* Professor no Seminário de Mariana, durante 40 anos.