O fogo do Espírito Santo

08/08/2016 às 09h25

Impressionante a imagem escolhida por Jesus ao afirmar: “Eu vim lançar fogo sobre a terra” (Lc 12,49). Notável ainda o que ele afirmou, dizendo que não veio trazer a paz, mas a divisão (Lc 12,21). Em nossos dias a televisão mostra incêndios perturbadores em diversas partes do mundo devorando paisagens, plantações, casas e ceifando inúmeras vidas. No Brasil, segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), durante o período de junho a novembro, grande parte do país é acometido por queimadas, que se estendem praticamente por todas as regiões, com maior ou menor intensidade. Nas cidades é constrangedor assistir o que acontece em muitas favelas e também em edifícios sobretudo nas grandes metrópoles. Jesus escolheu a imagem do fogo para falar de sua missão e Ele também havia presenciado pequenos incêndios na sua época na Galileia ou na Judeia. Um pequeno fogo pode se alastrar envolvendo tudo no seu ardor. Ao falar em fogo Cristo deve ter impressionado profundamente seus ouvintes que logo devem ter imaginado a rapidez com que as chamas se desenvolvem. Ora, Jesus queria exatamente mostrar que seu desejo era ver alastrada sobre a terra inteira a Boa Nova da salvação.

A sugestiva imagem por Ele empregada demonstra até uma santa impaciência para que isto viesse a acontecer por força da presença do Espírito Santo que Ele enviaria de junto do Pai. Foi o que ocorreu no dia de Pentecostes quando o Espírito divino desceu sobre os Apóstolos em línguas de fogo (Atos 2,3). Antes, São João Batista já havia proclamado que Jesus batizaria com o Espírito Santo e com o fogo (Mt 3, 11), porque encheria os batizados de dons celestes e os purificaria de toda impureza. Portanto, o fogo que deveria se espalhar é o carisma da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade a aquecer e iluminar o mundo através de seus seguidores. Mais complexa, porém, de ser decodificada é a outra palavra do Mestre divino dizendo que não viera trazer a paz, mas a divisão. Entretanto, quando se percorre a História após a vinda de Cristo se percebe a veracidade desta assertiva do Filho de Deus.

Durante as perseguições aos cristãos pelo Império Romano foram perpetradas divisões pelo ódio ao Evangelho e já naquele tempo dentro das famílias houve separações porque muitos aceitavam Jesus e outros não. Em nossos dias inúmeros são os que ficam fiéis a sua verdadeira Igreja, enquanto há os que vão seguir outras religiões. Disto resultam, por vezes, conflitos dolorosos. Jesus sabia que a fé depositada nele iria trazer separações no seio das famílias e das nações. Não obstante, Ele contaria sempre com seus discípulos fiéis para disseminar a paz e o amor. Este seria seu preceito novo: “Amai-vos uns aos outros” (Jo 15,12) e sua saudação aos Apóstolos após sua ressurreição foi esta: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” (Jo 14,27). A verdadeira paz, a serenidade do coração se originam da união com Deus e da união recíproca através do amor mútuo. Assim sendo, apesar das divisões, como obreiros da paz, seus epígonos trabalhariam sempre pela reconciliação nas famílias, nos países, entre os povos.

É sabedoria invocar o fogo do Espírito Santo que queima os pecados e imperfeições pessoais e ilumina em cada coração a chama do amor a Deus e ao próximo. Purifica de toda ira, de toda impaciência, de toda incompreensão, de toda a inveja, de todo racismo Donde resultar a paz interior, a imperturbabilidade. Fogo que abrasa e que deve ser irradiado por toda parte. O fogo do Espírito Santo abre para uma vida nova, para uma fraternidade formada por aqueles que escutam a palavra de Deus e a põem em prática. Como cristãos, somos responsáveis para que este fogo se propague. São João da Cruz escreve neste sentido que, como o fogo transforma as coisas nele mesmo, assim o amor de Deus para quem se deixa por ele abrasar. Eis aí o desejo ardente de Jesus, pois apesar das divisões que a adesão integral a Ele provoca, Ele havia também proclamado: “Felizes os artesãos da paz”, Ele que “apareceu para guiar nossos passos no caminho da paz” (Lc 1.79). Como bem se expressou o teólogo Frei Jean-Christian Lévêque, uma das maiores vitórias do discípulo de Cristo é, mesmo numa família dividida, mesmo num contexto adverso à Igreja, irradiar a paz e a compreensão, sem nunca, contudo, aprovar o erro.


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