Arquidiocese de Mariana
Atingidos pelo Rompimento das Barragens

11/mar/2011
A falta que faz falta

A Igreja vive agora um tempo de “quaresma”. Mesmo que muitos não levem a sério, é um tempo especial. E nos convida a algumas reflexões interessantes.

Uma coisa que nos chama a atenção, entre tantas outras, é a questão da “falta”. Não no sentido de pecado, mas no sentido de ausência, de carência, de vazio. Algo que vai na contramão de uma sociedade do excesso. Corremos demais, consumimos demais, falamos demais… Nem as crianças estão livres dessa corrente. Pelo menos as de classe média ou alta. É comum ver essa gente, que ainda está começando a viver, com a agenda cheia: escola, curso de inglês, natação, balé, jiu-jitsu… Coitados. Ou também com os armários abarrotados de brinquedos esquecidos e os guarda-roupas empanturrados de roupas não usadas. Resultado do consumismo e do esforço desesperando dos pais de compensar com coisas a ausência do essencial.

Em meio a esse excesso de coisas, de barulho, de atividades, e até de rezas, a Igreja vem nos falar da importância da ‘falta’. Quem participa das celebrações litúrgicas certamente ouvirá falar bastante de deserto, jejum, abstinência, silêncio… Tudo isso está ligado justamente à falta.

Vejamos: deserto lembra vazio. Ausência de vegetação, de água, de pessoas. Lugar onde não dá para permanecer. Ali, só de passagem. Impossível se instalar. Jejum é sentir falta de comida, de bebida. É ficar com fome. É desejar e não satisfazer o desejo. É alimentar a falta. Está ligado à abstinência, que, neste caso, significa deixar de comer carne vermelha.

Costumamos dizer que a gente só dá valor a alguma coisa ou pessoa depois que a perde. E em parte é verdade. A falta nos leva a reconhecer o valor do que se foi. Aquilo que é muito comum, que nunca falta, corre o risco de parecer desnecessário, banal. Normalmente, só percebemos a importância da água ou da energia elétrica quando faltam. Se ficarmos por um tempo sem comer um doce, uma carne, ou algo de que gostamos muito, depois terá um sabor bem mais especial.

É que somos movidos pelo desejo. Estar saciado é o fim. A falta faz falta. Precisamos de vazios, de sonhos.

Por não admitir essa verdade e essa necessidade estamos pagando um preço muito alto. O texto da Campanha da Fraternidade 2011 chama a atenção para uma questão que pode parecer apenas religiosa, mas não é: o resgate do domingo. A tradição cristã é muito sábia. O descanso semanal é fundamental. Numa linguagem simbólica, o próprio Deus descansou no sétimo dia da criação (cf. Gn 2,2). A pausa é necessária para a pessoa, para a terra, para as máquinas. O povo antigo tinha como obrigação tirar um dia da semana para si, para a família, para os amigos, mas também para proporcionar descanso à terra e aos animais. O povo cultivava a terra durante seis anos e, no sétimo, deveria deixá-la descansar (cf. Ex 23,10). Hoje ela é sugada ao máximo, e isso a está adoecendo, destruindo.

O jejum e a abstinência de carne, também comuns ao povo de Deus, têm como objetivo melhorar a saúde, pois desintoxica o organismo (ainda mais com tanto hormônio nas carnes), valorizar o alimento, possibilitar a partilha e ainda é uma forma de se mostrar solidário com aqueles que passam fome e nada têm para comer. O autocontrole diante da comida, da bebida, dos vícios, amadurece e desenvolve o autodomínio; nos torna livres diante das coisas. O silêncio, ou a falta da palavra e dos ruídos, nos ajuda a interiorizar, meditar, contemplar; nos ajuda no encontro conosco mesmos e com Deus.

Mesmo que não seja fácil, pois tudo nos leva a agir de forma contrária, fica aí a proposta da Igreja. Fazer da quaresma um tempo de evitar os excessos e experimentar a falta. Mais ainda, buscar e valorizar a falta. Fazer pausas, abrir mão de algumas coisas, controlar o consumismo, silenciar, fazer jejum (de comida, de bebida, de cigarro, de TV, de computador, de palavras desnecessárias…), abstinência de carne vermelha e valorização de frutas, legumes, peixes e verduras (de preferência, com menos agrotóxicos). E tudo o que você economizar com uma vida mais simples e frugal, ofereça a uma família ou pessoa carente; ou entregue para a Campanha da Fraternidade ou alguma entidade de promoção da vida. Isso deixará você melhor, e será uma ótima oportunidade para demonstrar sua solidariedade.

   

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