Arquidiocese de Mariana
Atingidos pelo Rompimento das Barragens

16/jul/2014
Venerável Dom Viçoso, Pe. Luiz Antônio Reis

Pe. Luiz Antônio Reis

Causa de grande alegria para nossa Arquidiocese é a recente notícia do decreto pontifício onde se reconhece a heroicidade das virtudes vividas pelo 7º Bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso (1787-1875).  É a constatação, após longo e minucioso estudo histórico e teológico, de que o candidato à beatificação e canonização realizou de forma eminente a sua vocação cristã. Tal realização evidencia a obra da graça de Deus numa existência humana que se deixou guiar e formar pelo Espírito Santo.

Este feliz acontecimento nos dá a oportunidade de recordar brevemente a biografia de Dom Viçoso. Nascido em Peniche (Portugal) aos 13 de maio de 1787, desde a infância sentiu o chamado a uma vida de especial consagração a Deus.  Na Congregação da Missão, fundada por São Vicente de Paulo, encontrou o espaço privilegiado para responder fielmente a Deus.  Em 1819, ainda novel presbítero, já se encontrava no Brasil. A providência divina assinalou Minas Gerais como seu campo de atuação apostólica. A fundação do célebre Colégio do Caraça e o magistério e  direção de outras casas de ensino, a pregação das missões populares, o conhecimento direto da situação do povo e do clero de Minas Gerais, foram, nas hábeis mãos de Deus, os meios empregados para gestar o grande Bispo missionário do qual a província mineira tanto necessitava. Recebida a ordenação episcopal em 1844, pastoreou a Igreja de Mariana até sua morte aos 07 de julho de 1875.

A situação da Igreja no Brasil do século XIX era, em não poucos lugares, desoladora: o clero enfraquecido e desmoralizado, a precariedade dos poucos seminários existentes; uma população dotada de sentimento religioso, mas alheia aos sacramentos e ignorante das noções mais elementares da doutrina cristã, a instabilidade política que acompanhava a consolidação do regime monárquico, a tremenda chaga social causada pela miséria e pela escravidão. Este cenário ganhava cores dramáticas com o controle opressivo exercido pelo império sobre a Igreja, através do regime do padroado que tolhia de formas absurdas a sua liberdade de ação.

A observação atenta da história da Igreja revela que diante das grandes dificuldades, Deus sempre envia grandes auxílios. Assim, no conturbado século XIX, emergiu um movimento de reforma que se expandiu por toda a Igreja no Brasil. Tal dinamismo se deu, sobretudo, a partir de um centro e de um homem de excepcional virtude: o Bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso. O seu primeiro biógrafo, testemunha ocular de tantos fatos edificantes narrados em sua obra, assim resumiu esse episcopado exemplar:

“Exemplo dos pastores, consagrou às suas ovelhas, e exclusivamente a elas, todos os momentos de um longo episcopado de trinta e um anos, sem jamais subtrair-lhes o ensino, o exemplo, os desvelos, e quanto podia concorrer para o seu melhoramento espiritual. Por elas não houve gênero de trabalho que não afrontasse, viagens, privações e intempéries, expondo tantas vezes a própria vida pela salvação dos que Deus lhe confiara, dos quais sempre se atuava no pensamento que havia de dar-lhe restritas contas”[1].

E prossegue:

“A reforma do clero, conduzida com suave, mas firme tenacidade, a qual, se não pôde levar a cabo, deixou assentada em dois seminários, que podem servir de norma (…), a educação do sexo feminino, por ele buscada com diligências não menores do que a dos moços; o benefício talvez menos avaliado do que é a razão, das Irmãs da Caridade por ele introduzidas no Brasil; o estabelecimento de missões perpétuas em sua diocese, fundadas à custa de suor do seu rosto”[2].

O grande historiador da Igreja marianense, Monsenhor Raimundo Trindade,  tratando do episcopado de Dom Viçoso,  ressaltou os mais de trezentos padres que ordenou, os cinco bispos que sagrou e que foram elementos decisivos na difusão e realização da reforma da Igreja naquele período[3]. O mesmo autor descreveu a notável transformação obtida após mais de cinco décadas de sucessivas missões populares na diocese:

“As missões recordam-nos ainda que o mesmo extraordinário bispo foi em Minas o grande missionário do século XIX: pregou como simples padre e pregou como bispo. E o fruto dessa pregação é fácil de avaliá-lo, confrontando um com o outro o estado em que encontrou a diocese, e o em que a deixou; do que é prova Mariana, vasta pocilga em 1844; cidade de fé viva e de moralidade inequívoca em 1875”[4].

Boas ideias e bons projetos só transformam a realidade se executados. Discursos, teorias e boas intenções caem no vazio quando não praticados. Para a época de Dom Viçoso a grande necessidade era a reforma da vida eclesial. Os caminhos práticos haviam sido indicados pelo Concílio de Trento. No Brasil de então faltava, porém, quem tomasse a firme decisão de trilhá-los e levar outros consigo. Dom Viçoso abraçou esse tremendo desafio, coadjuvado por numerosos e fiéis colaboradores. Um projeto claro e bem executado, uma rede de apoio que perpassava o clero, os religiosos e o povo católico; uma sólida base espiritual fundada na mística do Cristo-Bom Pastor: eis segredo desse santo Bispo.

O exemplo de Dom Viçoso, que tanto honra a nossa história, seja para nós estímulo e inspiração diante dos atuais desafios da evangelização nas terras outrora por ele missionadas. Que tenhamos a felicidade, assim Deus logo o permita, de ver Dom Viçoso elevado às honras dos altares.

[1] PIMENTA, Silvério Gomes. Vida de Dom Antônio Ferreira Viçoso, prólogo, V

[2] Idem ibidem, VII

[3] Cf. TRINDADE, Raimundo. Arquidiocese de Mariana I, p. 232

[4] Idem ibidem, p. 430