Arquidiocese de Mariana
Atingidos pelo Rompimento das Barragens

07/mar/2016
Carta do Seminário das Dioceses da Bacia do Rio Doce

O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros. (…) Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar.”

(Paulo Freire)

Fiéis à sua missão de promover e defender a vida na perspectiva da Ecologia Integral, as dioceses da Bacia do Rio Doce promoveram, de 4 a 5 de março de 2016, em Mariana-MG, o Seminário – Bacia do Rio Doce, Nossa Casa Comum – Corresponsabilidade de todos frente à vida ameaçada. Nosso objetivo foi discutir as consequências da tragédia da mineradora Samarco (Vale, BHP Billiton), provocada pelo rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, no dia 5 de novembro de 2015.

Propusemo-nos, ainda, a avaliar as ações de reparação dos danos provocados às populações atingidas e ao meio ambiente, bem como o papel dos atores envolvidos nesse que é o maior desastre ambiental já acontecido no Brasil. Reafirmamos o compromisso das Igrejas e dos movimentos sociais e populares, parceiros nesta luta pela defesa dos direitos coletivos e promoção da justiça, com participação dos atingidos.

Analisamos a atuação das mineradoras e da legislação omissa com graves consequências para a vida das populações atingidas e para o meio ambiente, totalmente subserviente ao atual modelo econômico do Brasil.

Fizemos ecoar “um grito pela extração de riquezas do solo que paradoxalmente não produziu riqueza para as populações locais que permanecem pobres”. Por isso, “todo o setor minerário é chamado a realizar uma mudança radical de paradigma para melhorar a situação em muitos países” (Mensagem do Papa Francisco para o encontro dos atingidos pela mineração).

Após debates e testemunhos que nasceram da experiência e da luta de quem tem compromisso com a vida em todas as suas expressões, constatamos que:

1. A tragédia da Samarco foi um crime socioambiental com consequências e extensão ainda não mensuráveis;

2. Nenhuma indenização reparará os danos provocados pela tragédia;

3. A Samarco tem tratado de forma desigual os atingidos/as;

4. O acordo assinado no dia 2 de março entre os governos Federal, estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e as empresas Vale, BHP Billinton e Samarco não passa de uma carta de intenções que não atende aos atingidos/as, os maiores interessados, que sequer foram ouvidos;

5. A água do rio Doce não está apropriada para consumo humano, produção e dessedentação animal;

6. A destruição das condições de vida dos povos indígenas ao longo da bacia, bem como de populações ribeirinhas, comunidades tradicionais, quilombolas e de trabalhadores e trabalhadoras que tiravam sua sobrevivência do rio Doce.

7. A ausência de debate e de participação dos movimentos sociais na elaboração do novo Marco Legal da Mineração em tramitação na Câmara Federal (PL 5807/2013). A forma como se encontra atende aos interesses das mineradoras em detrimento das comunidades impactadas e submete o meio ambiente, exclusivamente, à lógica do mercado.

Diante disso, a fim de construirmos a Bacia do Rio Doce que queremos, decidimos criar um Fórum Permanente da Bacia do Rio Doce com a responsabilidade de viabilizar as seguintes propostas:

1. Organizar, em todas as localidades, no dia 5 de cada mês, atividades que façam memória deste crime socioambiental e cobrem justiça;

2. Participar da Romaria das Águas e da Terra, no dia 5 de junho, em Resplendor e, a partir desta, promover Romarias simultâneas nas paróquias da Bacia do Rio Doce;

3. Elaborar uma Carta de Princípios sobre a Bacia do Rio Doce que queremos, a ser assinada pelos candidatos às prefeituras e Câmaras dos municípios situados na Bacia do Rio Doce, nas eleições de 2016;

4. Ajudar na construção de uma estratégia política para as próximas eleições municipais;

5. Utilizar mecanismos de comunicação que circulem por toda Bacia do Rio Doce, a fim de divulgar as ações do fórum e os acontecimentos em todo o território;

6. Criar uma rede de comunicadores e de educadores populares de comunicação que favoreça a troca de informações e a integração da Bacia;

7. Exigir a gestão do território, que contemple uma análise integral dos impactos, sem fragmentação e que proíba construção de novos minerodutos;

8. Trabalhar pela aprovação de um marco regulatório para a mineração que promova a garantia dos direitos dos atingidos;

9. Requerer aos órgãos competentes que a educação ambiental faça parte do currículo escolar;

10. Assegurar a participação das populações atingidas nas definições e na construção da nova Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo que deverá ser organizada seguindo as referências culturais das comunidades e os critérios de sustentabilidade;

11. Exigir o estancamento do rejeito, e um projeto de recuperação com participação efetiva das comunidades, inclusive na fiscalização.

Confiamos às bênçãos de Deus, os frutos que esperamos colher com a realização deste Seminário da Bacia do Rio Doce, renovando o compromisso de cuidar de nossa cada comum, frente à vida ameaça.

Mariana – MG, 5 de março de 2016.

   

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