Arquidiocese de Mariana
Atingidos pelo Rompimento das Barragens

06/nov/2014
Muito além das grades

 

imprisoned

“Estive preso, e vocês me visitaram”. Assim Jesus fala no Evangelho de Mateus e assim agem aproximadamente seis mil integrantes da Pastoral Carcerária, espalhados por todas as regiões do Brasil. Atualmente existem no país, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, mais de 715 mil presos, sendo 574 mil encarcerados e os outros cumprindo pena de privação de liberdade em prisão domiciliar. É uma multidão de pessoas que enfrentam o desprezo da sociedade, do poder público e de familiares e, muitas vezes, tem no agente da Pastoral Carcerária o único aliado na busca de soluções para voltar ao caminho da cidadania.

Segundo a coordenadora da Pastoral Carcerária na Arquidiocese de Mariana, Magda Oliveira, a missão dos agentes passa pela “reconstrução de toda uma vida”. “Cabe, então, à Pastoral Carcerária esta missão de ser ponte que fará ressurgir para uma nova vida, ou seja, tornar a  pessoa que está aprisionada um novo membro para a convivência familiar e social. Para que isso aconteça, fazemos visitas semanal/quinzenal a todas as dependências prisionais; dialogamos com a sociedade a fi m de desenvolver uma consciência coletiva comprometida com a vida e dignidade humana; acompanhamos as denúncias de violação de Direitos Humanos; incentivamos a criação do Conselho da Comunidade (art. 175 da Lei Estadual nº 11.404/94) e a participação de membros da Pastoral neste Conselho; realizamos, também, em alguns presídios a Catequese – Iniciação Cristã para adultos; celebração da fé com Missas ou Celebração da Palavra; visita às famílias dos encarcerados e motivamos os trabalhos artesanais e leituras”, afirma Magda, acrescentando que o trabalho não se restringe ao puro assistencialismo.

“A Pastoral Carcerária não é assistencialismo, porém presta assistência material com artigos de higiene pessoal, limpeza, medicamentos e cobertores. Logo, à medida que essas ações acontecem, percebemos uma melhora na autoestima, no convívio entre eles e com aqueles que ali exercem seus trabalhos, ajudando-os a se sentirem pessoas amadas e pertencentes ao Reino de Deus. Além disso, ajuda as pessoas presas a serem tratadas com dignidade e terem seus direitos respeitados”, finaliza.

Situação na Arquidiocese

De acordo com o último levantamento realizado pela Pastoral Carcerária, na Arquidiocese de Mariana, há um complexo penitenciário (em Ponte Nova), 11 presídios sob a administração da subsecretaria de Administração Prisional do Estado, um hospital psiquiátrico e judiciário (em Barbacena), cinco cadeias públicas e três APACs – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – abrigando em torno de 1.900 detentos. Segundo Magda, não há registro de mortes nos presídios da região, mas também não há dados sobre a reabilitação dos presos.

Logotipo_em_alta_resolucao“Em nossos arquivos não constam registros de mortes nos presídios, mas também não temos dados em relação a detentos reabilitados. No entanto o trabalho da Pastoral Carcerária é direcionado também para este fim. Para atender a esses nossos irmãos a Pastoral conta, atualmente, com 126 agentes missionários”, explica a coordenadora. Os presídios, na região de Mariana, não são diferentes dos existentes nos País. Mesmo aqueles construídos dentro dos padrões exigidos são cruéis, pois não tem a mínima condição de receber mulheres, nem homens. O atendimento e acompanhamento médico, psicológico, odontológico e outros deixam muito a desejar. Segundo Magda Oliveira, o problema da superlotação é geral. “Com relação a estrutura física, há sempre um número insuficiente de celas, causa de superlotação, gerando situações de insegurança, violência e oportunidades para rebeliões. Em nossas visitas, percebemos que o número de profissionais dos estabelecimentos prisionais é insuficiente, às vezes são contratados sem concurso público, há escassez de defensores públicos, fazendo com que o cumprimento das penas se alongue e fique demasiadamente caro o sistema penitenciário”, confirma Magda.

Segundo o Ministério da Justiça, há no Brasil 256 mil presos além da capacidade das unidades prisionais. Frequentemente, os gestores públicos apresentam como solução a construção de mais prisões e a Pastoral Carcerária defende um mundo sem cárceres. De acordo com a vice-coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, irmã Petra Silvia Pfaller, a ampliação da Defensoria Pública pode ser uma das soluções. “Sabemos que a prisão não resolve a violência no Brasil. Ainda mais porque o sistema penal é altamente seletivo. Basta entrar num presídio para perceber que os pobres e marginalizados são a maioria da população carcerária, assim como pardos ou negros e os que possuem baixa escolaridade”, explica irmã Petra. Segundo Petra, há muita gente cumprindo pena indevidamente. “Estamos, na média nacional, com 46% de presos provisórios, que há anos esperam por um veredito do juiz. Muitos são inocentados e outros cumprem sua pena na sua totalidade no regime fechado por causa dos atrasos do Poder Judiciário, que está lento no andamento dos processos. Precisamos reverter a lógica de pensar que a prisão resolve a violência e restaura a paz no país, nas cidades e nos bairros”, finaliza. (Confira abaixo entrevista com a Irmã Petra)

Revista Vexatória

O Conselho Episcopal Pastoral (Consep) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovou nota sobre a revista vexatória nos presídios brasileiros. Por meio da publicação, a CNBB manifestou repúdio à pratica, aplicada na maioria dos presídios do país, considerada pela entidade como “vergonhosa e desumana”.

Em nota a CNBB afi rma que “Está comprovado que a maioria dos objetos ilícitos encontrados com os presos não entra com quem os visita. Nos estados onde esta condenável prática Bispos - Wilson Dias-ABrfoi abolida, como Goiás e Espírito Santo, não houve alteração na quantidade de entorpecentes e objetos apreendidos com os presos. Prova de que esta revista pode e deve ser substituída por outros procedimentos mais eficientes e compatíveis com a dignidade humana, que garantem a segurança das unidades prisionais e a integridade dos visitantes tais como detectores de metais e scanners corporais.”

A nota, assinada pelo presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno, pelo vice-presidente, dom José Belisário e pelo secretário geral, dom Leonardo Steiner (foto), diz ainda que “A CNBB faz, portanto, veemente apelo à União e aos Estados onde é mantida a revista vexatória que ponham fim a essa prática inconstitucional, vergonhosa e desumana. Apela, igualmente, aos Senhores Deputados Federais que votem e aprovem, o quanto antes, o PLS 480/2013, já aprovado no Senado, que elimina de vez esse abominável procedimento nos presídios do país.

Que Deus seja a força e a luz dos que, na luta em defesa da dignidade da pessoa humana, promovem a justiça e a paz.”

Entrevista com Irmã Petra Silvia Pfaller

Quais os resultados esperados pela Pastoral Carcerária com a publicação da carta da CNBB contra a revista vexatória?

NosIrmã Petra - OABsa esperança é que com o apoio da CNBB, que é uma entidade muito respeitada pelos órgãos públicos como também pela sociedade em geral, mais e mais pessoas se sensibilizem com essa situação tão constrangedora e, sobretudo, ilegal. Com esse apoio, o coro pelo fim da revista vexatória aumenta, assim como as cobranças para que os órgãos responsáveis do sistema penitenciário tomem as devidas providências para acabar com esse tratamento degradante que milhares de pessoas passam.

O que é Justiça Restaurativa e o que ela traz de novo?

Talvez a grande novidade da Justiça Restaurativa é que ela se preocupa com a vítima, que é esquecida no Brasil e não tem voz nem vez. A consequência disso é o aumento de um grito de justiça, que muitas vezes é mais um desejo de vingança do que de justiça. As práticas restaurativas tentam envolver todas as partes: o agressor e sua família ou pessoas mais próximas, a vítima e sua família e amigos mais próximos que estão afetados pela agressão. A pessoa que acompanha esse processo não julga ou condena, mas faz o papel de facilitador para resolver o conflito. Tenta-se restaurar o dano causado, isso não significa impunidade, mas sim uma solução de conflito que se baseia na reparação do dano sofrido, no diálogo, compreensão, expressão da dor sofrida, da raiva e indignação. Um processo que também se baseia no perdão.

As prisões brasileiras estão estruturadas para receber as mulheres?

Não. Nem um presidio está preparado para receber mulheres e também nem homens. Presidio é uma coisa totalmente contra o ser humano. É uma invenção cruel do ser humano com a falsa ideologia que a prisão resolve a violência e ressocializa. A maioria dos presídios femininos são sucatas de presídios masculinos mal reformados. No Brasil cresce a cultura da justiça com as próprias mãos.

Como trabalhar a Pastoral Carcerária e incentivar a participação neste ambiente cada vez mais hostil aos direitos humanos?

Aqui no Brasil a vítima que sofre uma agressão não está sendo levada em consideração, a dor da vítima não é acolhida e no ordenamento jurídico ela praticamente não existe. Esse descaso logicamente aumenta ainda mais a sensação de injustiça e, consequentemente, o desejo de punição, de vingança. Cabe à Pastoral Carcerária mostrar, de diversas maneiras, que o encarceramento não é solução para a violência no Brasil, e também apresentar alternativas para a solução de conflitos. O próprio Jesus nos mostrou o caminho: o respeito pelas pessoas independentemente do que fi zeram. O cristão fala tanto de perdão, mas na “hora H” parece que se esquece disso e ignora essa atitude tão bonita e libertadora. Quantas vezes Jesus perdoou, acolheu o pecador e a pecadora. Ele nos mostrou que devemos amar o pecador, não o pecado, aplicou as práticas da justiça restaurativa em inúmeros casos. Assim é nosso dever, que nos dizemos seguidores de Jesus, aprender dele e colocar o perdão e a reconciliação em prática com atos de misericórdia e solidariedade. É dever de cada cristão, pelo menos uma vez na vida, visitar uma pessoa presa, segundo consta Mt 25,36, “eu estive preso e você me visitou”.