Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
As tentações de Jesus no deserto correspondem às vulnerabilidades e fragilidades humanas (Lc 4,1-13).A resistência aos impulsos do demônio, porém, desenvolve bons hábitos na vida do cristão. Jesus, enquanto homem, foi tentado pelo diabo, dando a seus seguidores exemplo de como triunfar das insinuações do maligno. Note-se de plano que o Espírito Santo conduziu Jesus ao deserto e não às investidas satânicas. Satanás, porém, se utilizou de um instante de fadiga de Cristo, após quarenta dias de jejum, para O tentar. Na narrativa de São Lucas as três tentações foram a prova culminante, mas intensa, que o Redentor suportou na solidão desértica. Na primeira tentação Jesus responde ao tentador sem negar a dependência humana ao alimento, mas colocando a vida humana numa perspectiva de equilíbrio: “Nem só de pão vive o homem”. A mensagem é evidente, ou seja, os seguidores de Cristo não devem se escravizar às coisas terrenas, numa dependência humilhante. Do contrário, se abre o caminho para inúmeros outros desvios morais e o cristão sucumbe ao mal. Na segunda tentação a ousadia de satanás é imensa, pois se trata da adoração do próprio diabo num desprezo total a Deus e a sua santíssima vontade. Cabe ao discípulo de Jesus escutar e simplesmente crer no que o Senhor Onipotente e Único revelou. Isto não obstante as dúvidas que possam surgir por causa das trevas dos erros. Quem tem fé arraigada sabe que é a providência divina quem governa o céu e a terra e seria uma petulância por parte do ser humano trazer Deus a seu tribunal para depois adorar as forças malignas. Na terceira tentação satanás quis levar a Jesus, também enquanto homem, a não acreditar no amor do Pai. O divino Salvador, contudo, repeliu também esta insinuação de maneira peremptória: “Não tentarás o Senhor teu Deus”. Quantas vezes, o espírito maligno leva o cristão a vacilar, descrendo da imensa dileção do Ser Supremo para com suas criaturas, apesar da maior prova de amor que foi o sacrifício salvífico de seu Filho, bem amado. Lá no deserto, satanás derrotado, retirou-se. É de se notar que, segundo São Lucas, o diabo se afastou “até certo tempo”, porque ele voltaria antes da paixão e morte de Jesus (Lc 22,3.31-32.53). Cristo convida a todos que lhe são fiéis a sempre resistir e triunfar sobre o espírito maligno, Ele que ensinou a pedir a Deus: “Não nos deixeis cair em tentação”. Faz parte da maturidade espiritual de cada um esta resistência ao inimigo. Este vem com inúmeras sugestões perversas, como o desejo de possuir bens materiais em excesso, colocando o destempero da gula como prioridade na própria vida; cultuando satanás nas perversidades dos meios de comunicação social; na aprovação dos crimes mais hediondos, enfim no desprezo dos sagrados mandamentos da Lei divina. Muitos ao se expor às ocasiões de pecado atraem o poder do demônio e caem fatalmente nas suas garras. Jesus estava no deserto, ou seja, quarenta dias em preces e penitência. Durante sua vida nesta terra o cristão precisa encontrar momentos para estar em comunicação com Deus longe do bulício do mundo. É o momento de uma tertúlia na qual cada um se põe a refletir sobre o sentido de sua vida, o significado das provações, das cruzes de cada hora. Então as fraquezas, os sofrimentos unem mais intimamente o ser humano com seu Criador e o homem pode perceber a infinita ternura daquele que leva a superar todas as dificuldades. Brilha a confiança na graça e com ela todas as tentações são afastadas. O cristão percebe então que o próprio Cristo está a seu lado e não o deixará desfalecer. Ele guiará nos caminhos da justiça, do amor e da paz. A quaresma se transforma deste modo num momento de revigoramento espiritual, de correção para se atingir a uma existência mais perfeita. Horizontes infinitos se abrem, porque cada um se lembra de sua vocação rumo a uma conversão contínua e, sobretudo, fica cônscio de sua dignifade de filho de Deus. Desta maneira há uma verdadeira participação na vitória de Cristo sobre satanás e o fiel passa a gozar da verdadeira liberdade longe das ciladas do inimigo.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.