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“Estar em missão significa se doar”, afirma padre Juquinha em entrevista

18 de outubro de 2021 Arquidiocese

A Igreja no Brasil celebra durante outubro o Mês Missionário que, neste ano, tem como tema “Jesus Cristo é missão” e a inspiração bíblica é “Não podemos deixar de falar sobre o que vimos e ouvimos” (At 4,20).

Em celebração ao Mês Missionário, o Departamento Arquidiocesano de Comunicação (Dacom) compartilha a entrevista com o padre José Geraldo da Silva publicada na edição nº 317 do Jornal Pastoral. Conhecido como padre Juquinha, o sacerdote do Clero Marianense já saiu três vezes em missão: 2003 a 2012na Arquidiocese de Porto Velho, em Rondônia, onde se encontra atualmente desde 2017; e na antiga Prelazia do Xingu, no Pará, atual, Diocese de Xingu-Altamira, entre 2014 e 2016.

Jornal Pastoral: Como o senhor experienciou o desejo de sair em missão?

Padre Juquinha: O meu desejo de sair em missão começou com as partilhas de vida com o saudoso Dom Luciano, que sempre se mostrou muito solidário para com as Igrejas do Brasil que sofriam de vocações sacerdotais. Outra pessoa que muito me ajudou foi o padre Ernesto de Freitas Barcelos, da Diocese de Itabira-Coronel Fabriciano, que falava do aprendizado da saída, do ir ao encontro dos outros.

Jornal Pastoral: O que significa estar em missão e qual é a importância da vivência missionária para a vida presbiteral? 

Padre Juquinha: Estar em missão significa se doar, experimentar de forma mais intensa a liberdade sacerdotal e enxergar as necessidades da Igreja no todo, percebendo que somos membros deste grande corpo que tem Jesus Cristo como cabeça e que devemos cuidar uns dos outros, principalmente dos mais empobrecidos e marginalizados pela sociedade. 

Na missão percebemos que não estamos sozinhos. A troca de experiência e a amplitude da compreensão de Igreja que transcende a nossa Igreja local, aquela na qual fomos ordenados, torna-se visível e enriquecedora. Aprendemos a conviver com outras pessoas, respeitar a cultura local e as diferenças eclesiológicas. Muito me enriqueceram as experiências com Dom Moacyr Grechi, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Erwin, Dom Roque, os padres e as lideranças leigas. O contato com as pessoas muda a nossa vida. Só não sou melhor por causa de minhas limitações.

Jornal Pastoral: Quais são os principais desafios enfrentados na vida em missão?  

Padre Juquinha: A distância e a realidade cultural. Além disso, a realidade específica que vivo: o trabalho com os presidiários, pessoas que muitas vezes são discriminadas pela sociedade. Às vezes, a própria Igreja tem dificuldades em enxergar a realidade dos encarcerados e dos adolescentes privados de liberdade. Existe preconceito, ainda que velado. 

Outro desafio é despertar nas pessoas a necessidade de participarem ativamente na sociedade, discutindo as políticas públicas, estreitando os relacionamentos com as pastorais sociais, ser presença nos conselhos paritários e militância nos movimentos populares, que se tornam voz profética para os mais necessitados, reivindicando uma sociedade mais justa e fraterna para todos e todas.

Jornal Pastoral: O que te levou a escolher a região norte do Brasil e quais são os aprendizados proporcionados?

Padre Juquinha: Eu não escolhi a região norte. Foi fruto do diálogo com Dom Luciano, sensibilizado com a situação da Igreja de Porto Velho e de sua amizade com Dom Moacyr. Depois tive a oportunidade de retornar à região Norte no outro extremo, no Pará, mais uma vez motivado pela carência e necessidade eclesial da região. 

Aqui aprendi a enxergar a solidariedade que existe entre os pobres, a necessidade de  trabalhar com outras instituições como conselhos, OAB, órgãos públicos e sua dinâmica, além de perceber a importância das parcerias. Aprendi a lidar com a confiança que nasce da relação com as famílias e dos próprios apenados, a valorizar o trabalho da Pastoral Carcerária, do Menor e da Comissão de Justiça e Paz, e que o trabalho feito de forma honesta e transparente abre portas e gera o reconhecimento por parte de outras instituições.

Jornal Pastoral: De forma geral, qual é a realidade social e eclesial da cidade e da Arquidiocese de Porto Velho antes e durante a pandemia? Quais trabalhos são realizados?

Padre Juquinha: A realidade social é semelhante à realidade de toda cidade: alguns poucos com muito e grande parte da população vivendo em situação de pobreza. Aqui tem destaque a grande população prisional, que está entre as maiores do país, sendo 12 unidades prisionais (duas femininas e dez masculinas), quatro socioeducativas para adolescentes (três masculinas e uma feminina) e outras duas da Associação Cultural e do Desenvolvimento do Apenado e Egresso (ACUDA), uma organização não-governamental que desenvolve suas atividades laborais em diversas áreas, além de prestar assistência psicológica, médica, odontológica e holística. 

Eclesialmente falando, temos a presença de várias denominações religiosas, sendo a maioria da população evangélica pentecostal. Durante a pandemia os trabalhos continuam, observando as exigências sanitárias. Especial atenção ganharam os moradores em situação de rua e os migrantes: cerca de 180 pessoas são atendidas diariamente no projeto “É Tempo de Amar e Servir”, que visa garantir a alimentação diária, banho, lavagem de roupa, cestas básicas e auxílio jurídico para as necessidades específicas daqueles que solicitam. 

Jornal Pastoral: A Arquidiocese de Porto Velho é também composta por comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas. São desenvolvidas ações missionárias nessas comunidades? Além disso, qual deve ser o papel desempenhado pela Igreja na proteção e defesa da vida e dos direitos dessas comunidades que são, majoritariamente, marginalizadas?

Padre Juquinha: A Igreja se faz presente nestas comunidades através da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), além do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). De fato, estas comunidades muitas vezes são olhadas com desdém e preconceitos por não conhecermos e compreendermos a cultura que nelas existe. A Igreja, que não se resume aos padres e bispos, tem a missão de defender a vida desde a sua concepção até o seu término natural. Não podemos abrir mão da evangelização que acontece com a defesa da vida: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10), este não é um convite de Jesus, mas sim um imperativo: ser Igreja é ser promotor da vida e da dignidade humana.

Fotos: Arquivo pessoal do pe. Juquinha das ações desenvolvidas no projeto “É tempo de Cuidar”