O Papa Francisco deu continuidade ao ciclo de catequeses sobre a velhice na Audiência Geral, desta quarta-feira, 25 de abril, realizada na Praça São Pedro, que teve como tema “Eclesiastes: a noite incerta do sentido e das coisas da vida”.
O Livro de Coélet é “outra joia inserida na Bíblia”. Surpreende o seu famoso refrão: “Tudo é vaidade”, tudo é “neblina”, “fumaça”, “vazio”. “É surpreendente encontrar estas expressões, que questionam o significado da existência, dentro da Sagrada Escritura”, frisou o Papa.
Segundo o Papa, diante de uma realidade que em certos momentos parece “acabar no nada, o caminho da indiferença também pode nos parecer o único remédio para uma dolorosa desilusão”, fazendo surgir em nós perguntas como: “Será que nossos esforços mudaram o mundo? Alguém talvez é capaz de fazer valer a diferença entre o justo e o injusto? Parece que tudo isso é inútil: por que fazer tanto esforço?”
É uma espécie de intuição negativa que pode surgir em qualquer estação da vida, mas não há dúvida de que a velhice torna quase inevitável o encontro com o desencanto. E assim a resistência da velhice aos efeitos desmoralizantes deste desencanto é decisiva: se os idosos, que já viram de tudo, conservam intacta sua paixão pela justiça, então há esperança para o amor, e também para a fé. E para o mundo contemporâneo, a passagem por esta crise tornou-se crucial, uma crise salutar, porque uma cultura que presume medir tudo e manipular tudo também acaba produzindo uma desmoralização coletiva do sentido, do amor e do bem.
Segundo Francisco, “para nossa cultura moderna, que gostaria de entregar praticamente tudo ao conhecimento exato das coisas, o aparecimento desta nova razão cínica – que soma conhecimento e irresponsabilidade – é uma reação muito dura. De fato, o conhecimento que nos isenta da moralidade parece ser, a princípio, uma fonte de liberdade, de energia, mas logo se transforma numa paralisia da alma”.
Com sua ironia, o Eclesiastes “desmascara esta tentação fatal de uma onipotência do saber – um “delírio de onisciência” – que gera uma impotência da vontade. Os monges da mais antiga tradição cristã haviam identificado com precisão esta doença da alma, que de repente descobre a vaidade do conhecimento sem fé e sem moral, a ilusão da verdade sem justiça. Eles a chamavam de ‘acídia’. Esta é uma das tentações de todos, e também dos idosos, mas pertence a todos. Não se trata simplesmente de preguiça. Não se trata simplesmente de depressão. Ao contrário, é a rendição ao conhecimento do mundo sem mais paixão pela justiça e pela ação consequente”.
Segundo o Papa, “o vazio de sentido e de forças aberto por este saber, que rejeita toda responsabilidade ética e todo afeto pelo bem real, não é inofensivo. Ele não apenas tira as forças da vontade para o bem, mas abre a porta para a agressividade das forças do mal. São as forças de uma razão enlouquecida, que se tornou cínica por um excesso de ideologia”.
Na verdade, com todo o nosso progresso e com todo o nosso bem-estar, nos tornamos realmente uma “sociedade do cansaço”. Pensem um pouco nisso: somos uma sociedade do cansaço. Devíamos produzir bem-estar generalizado e toleramos um mercado cientificamente seletivo da saúde. Devíamos colocar um limite intransponível à paz, e vemos surgir guerras cada vez mais implacáveis contra pessoas indefesas. A ciência avança, é claro, e isso é um bem. Mas a sabedoria da vida é algo completamente diferente, e parece estar paralisada.
De acordo com Francisco, esse tipo de razão “irresponsável tira o sentido e energias também do conhecimento da verdade. Não é por acaso que a nossa seja a época das fake news, superstições coletivas e verdades pseudocientíficas. É curioso: nessa cultura do saber, de conhecer todas as coisas, até mesmo da precisão do conhecimento, se difundiram muitas bruxarias, mas bruxarias cultas. É bruxaria com uma certa cultura, mas que leva você a uma vida de superstição: por um lado, para ir adiante com inteligência no conhecimento das coisas até às raízes; por outro lado, a alma que precisa de outra coisa e toma o caminho das superstições e acaba nas bruxarias”.
Segundo o Papa, “a velhice pode aprender da sabedoria irônica de Coélet a arte de levar à luz o engano escondido no delírio de uma verdade da mente desprovida de afetos pela justiça. Os idosos ricos em sabedoria e humorismo fazem muito bem aos jovens! Eles os salvam da tentação de um conhecimento do mundo triste e desprovido da sabedoria da vida”. “Coragem, todos nós idosos: coragem e adiante! Temos uma missão muito grande no mundo. Mas, por favor, não buscar refúgio nesse idealismo um pouco não concreto, não real, sem raízes –digamos claramente: nas bruxarias da vida”, concluiu.
Texto: Vatican News
Foto: Reprodução vídeo – Vatican Media