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Batizados e enviados: entrevista com padre Geraldo Martins

30 de outubro de 2019 Arquidiocese

Encerrando o Mês Extraordinário Missionário e a série de entrevistas com os padres da arquidiocese que estão em missão, padre Geraldo Martins Dias compartilha um pouco de sua experiência missionária na Diocese de Humaitá, no Amazonas. Padre Geraldo está há 4 meses no território amazônico.

Leia a entrevista na íntegra:

DACOM: Neste tempo em missão na Diocese de Humaitá, como o senhor define essa experiência missionária?

Pe. Geraldo: É uma experiência enriquecedora e, ao mesmo tempo, desafiadora. Enriquecedora porque me dá a oportunidade de conhecer a riqueza cultural e religiosa do povo humaitaense, favorecendo uma troca de experiência muito interessante. Desafiadora por exigir uma espécie de esvaziamento de mim mesmo para assumir o jeito de ser e de viver a fé desta porção do povo de Deus que vive no sul do Amazonas, além de comungar de suas angústias e desafios nos âmbitos social, político, econômico, ambiental.

DACOM: Do ponto de vista eclesial e social, como é a realidade de Humaitá?

Pe. Geraldo: A diocese de Humaitá abrange uma grande área de 135 mil km², isso equivale a seis vezes o tamanho da Arquidiocese de Mariana. Sua população, no entanto, não é tão grande, cerca de 140 mil pessoas. A diocese é constituída por três municípios, oito paróquias e duas grandes Áreas Missionárias, denominadas Beiradão, que atende as comunidades ribeirinhas do rio Madeira (realidade mais desafiadora para a evangelização), e Estrada, que atende as comunidades às margens da estrada. São 13 padres que atendem as paróquias e as áreas missionárias. Desses, apenas dois padres são filhos da própria diocese.

Na cidade de Humaitá, onde estou, há três paróquias bem organizadas em comunidades cujos conselhos de pastoral atuam com muita responsabilidade e compromisso. O destaque das atividades fica por conta dos festejos dos padroeiros das comunidades marcados pela novena com celebrações, terços e procissões, e pela “festa social” que são as barraquinhas, bingos e leilões.

A atuação das pastorais também se dá de forma organizada e atualizada, buscando sempre a comunhão com a Igreja no Brasil. Enfrentam os mesmos desafios de outros lugares como, por exemplo, o número insuficiente de agentes, acarretando sobrecarga de trabalho; a necessidade de uma formação continuada sólida, abrangente e consistente; uma maior integração entre as várias pastorais.

Em relação à realidade social, Humaitá está muito assustada com o alto índice de suicídio. Num período de quatro meses, houve seis mortes de jovens por suicídio. Isso tem mobilizado a cidade na busca da compreensão das causas desta prática e da solução para esse mal que nos desafia a todos. A pobreza também é uma realidade forte na cidade. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social, 48,9% da população são beneficiários do Programa Bolsa Família. A diocese, por meio da Cáritas Diocesana, mantém algumas obras sociais na cidade, especialmente, na área da criança e do idoso. Outro sofrimento da população humaitaense é com a energia elétrica que, além de muito cara, falta constantemente. É o que pude perceber nesse pouco tempo de presença na cidade.

DACOM: O Mês Extraordinário Missionário tem como tema “Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo”. Qual a principal mensagem deste tema? 

Pe. Geraldo: Despertar todas as pessoas batizadas para seu compromisso com o anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo. Este é o recado que o Mês Missionário Extraordinário (MME) nos dá. A missão é dever de toda a Igreja compreendida como todo o Povo de Deus. Vale a pena recordar o que nos diz o papa Francisco na Evangelii Gaudium: “A evangelização é dever da Igreja. Este sujeito da evangelização, porém, é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus” (n. 111). O MME deixa claro também que não existe uma única forma de evangelizar e cada batizado deve assumir esse compromisso a partir da própria vocação e do lugar em que se encontra. De novo nos ensina Francisco: “Há uma forma de pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário quando visita um lar” (n. 127). Diante disso, precisamos levar a todos os cantos essa mensagem do MME a fim de que Jesus Cristo seja anunciado a todos e por todos.

DACOM: O Mês Extraordinário Missionário e o Sínodo para a Amazônia podem fortalecer as experiências missionárias? Principalmente na região da Amazônia?

Pe. Geraldo: A consciência missionária da Igreja tem crescido sempre mais a partir do Concílio Vaticano II. Contudo, considerando as urgências da evangelização, há sempre necessidade de ampliar nosso compromisso com a missão e são muitas iniciativas que levam a isso, inclusive acontecimentos como o Sínodo para a Amazônia e o MME.

A Conferência de Aparecida convoca-nos a tornar a Igreja em estado permanente de missão e propõe a conversão pastoral como caminho para se alcançar essa meta. As reflexões tanto do Sínodo quanto do MME são caminhos de conversão para uma pastoral verdadeiramente missionária. É assim que os vejo.

Nossas dioceses precisam se comprometer mais com a missão para além de seus limites. Essa consciência missionária, que implica sair da própria comodidade e enfrentar novas realidades, com abertura para a inculturação, precisa fazer parte do cotidiano de nossa vida presbiteral e também da vida dos cristãos leigos e leigas.

Esse apelo vale, inclusive, para quem está na Amazônia. Não podemos ver a Amazônia como uma região que apenas recebe missionários e missionárias. Daqui também devem partir missionários/ as para outras regiões e lugares que carecem da riqueza do Evangelho. O Sínodo e o MME nos ensinam isso.

DACOM: Como a experiência missionária pode colaborar com a formação do ministro ordenado?

Pe. Geraldo: A experiência missionária é, essencialmente, a experiência do sair para ir ao encontro do outro. Nem todos têm essa disposição porque isso implica “trocar” a segurança em que se vive pela insegurança do “desconhecido”. Esta, talvez, seja a primeira grande colaboração da experiência missionária: vencer o medo de enfrentar situações novas, diferentes, desconhecidas. Tal experiência nos dá a oportunidade de sentir de maneira mais forte a ação de Deus em nós e entender que, se Ele chama e envia, também acompanha.

Além disso, a missão é oportunidade de enriquecimento do ministro ordenado (e de todo missionário/a) porque lhe dá a oportunidade de contato com novas culturas, novos costumes, novo jeito de ser Igreja. Com isso, muitas vezes, somos forçados a rever conceitos e práticas, obrigando-nos a uma inculturação que nos ajuda em nossa conversão.

A experiência missionária nos ajuda a compreender estas palavras do missiólogo pe. Estevam Raschietti: “Entrar na casa dos outros demanda uma kenosis, um despojamento radical. A jornada missionária é uma passagem que nos transforma e nos converte em discípulos e discípulas de Jesus através de um tempo crítico de peregrinação rumo ao mundo do outro. É uma viagem necessariamente para fora e para dentro de nós mesmos. Entrar como hóspede é assumir a condição de peregrino e de estrangeiro”. Este é o grande aprendizado.