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Tributo a Monsenhor Flávio: homenagem póstuma ao sacerdote do Clero Marianense

08 de fevereiro de 2023 Arquidiocese

Há exato um mês, a Arquidiocese de Mariana entristecia-se ao receber a notícia do falecimento do Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues, aos 90 anos. Nesta data, confira o artigo escrito pelo Padre Marcelo Moreira Santiago em homenagem ao sacerdote do Clero Marianense.

 Tributo a Monsenhor Flávio

Com pesar, recebemos a triste notícia, na manhã do dia 8 de janeiro, do falecimento do querido Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues, preclaro sacerdote da Arquidiocese de Mariana que, por longos anos, serviu com entrega, fé e amor e grande zelo e sabedoria, a esta Igreja Particular.

Monsenhor Flávio nasceu em São João del Rei, Minas Gerais, no dia 15 de fevereiro de 1932. Fez seus estudos em Mariana, no Seminário Arquidiocesano, sendo ordenado padre no dia 04 de dezembro de 1955. Além da formação em Filosofia e Teologia, era graduado em Letras e Pedagogia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Sua vida, colocada a serviço, se notabilizou pelo zelo sacerdotal, como Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Glória, em Passagem de Mariana (MG), de 1959 a 2004, e por sua competente e profícua atuação na Cúria Metropolitana de Mariana, onde exerceu, com competência, funções como a de Tesoureiro da Cúria de 1956 ao começo dos anos 90; Diretor do Arquivo Eclesiástico de Mariana, função que exerceu com exímio gosto até os últimos anos; de Diretor do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra, nas décadas de 1980, 1990 e 2000, além de Diretor do Museu da Música.

Como Pároco, foi sempre solícito às necessidades dos fiéis, um pastor atento em educar na fé as famílias e, de modo particular, as novas gerações. Com zelo e ardor apostólico, cuidou, pela palavra e com a vida, em anunciar o evangelho e alimentar a vida cristã de seus paroquianos através das celebrações de Missas e dos Sacramentos, além de promover, no espírito da sinodalidade, o trabalho paroquial em sua querida Passagem de Mariana e nas Comunidades do antigo Bento Rodrigues, Camargos e Ponte do Gama, num tempo em que o acesso se fazia por estradas difíceis e, às vezes, quase intransitáveis.

Monsenhor Flávio imprimiu, por mais de quatro décadas, nessas comunidades, uma espiritualidade sólida e consistente de amor a Deus e de devoção a Nossa Senhora e aos santos; de obediência a santa Igreja e ao Papa; de piedade, fervor e caridade e de docilidade em acolher e colocar em prática a Palavra de Deus.

Nos trabalhos curiais, se destacou como um bom administrador, sábio e competente. Sempre pronto em dizer sim ao que a Igreja de Mariana lhe confiou, através dos Arcebispos Dom Helvécio Gomes de Oliveira, Dom Oscar de Oliveira, Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, Dom Geraldo Lyrio Rocha e, nos últimos anos, Dom Airton José dos Santos.

Ele muito ajudou a manter e organizar os bens arquidiocesanos. Foi responsável pela conservação, organização e restauração do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana e por colocá-lo em condições para pesquisa, contribuindo, em muito, para um melhor e maior conhecimento histórico, religioso e social, dos séculos XVIII e XIX. Cuidou, zelosamente, do Museu do Livro e da Música, inicialmente sediado nas dependências da Cúria e depois na residência arquiepiscopal. Iniciativas que salvaram obras valiosíssimas, históricas e artísticas, da pujante cultura e religiosidade de tempos idos de nossa Minas Gerais.

Monsenhor Flávio teve participação destacada na constituição do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra, iniciativa de Dom Oscar de Oliveira. Foi seu diretor por anos, contribuindo, em muito, pela salvaguarda e manutenção desse precioso acervo artístico arquidiocesano, um dos mais completos do Brasil, evitando assim que peças históricas, hoje conservadas, se perdessem ou fossem, ao tempo, desviadas para outros fins e interesses.

Sua contribuição humana e cristã não se esgota aqui: ele foi também um exímio educador, professor exigente e atento em despertar nos alunos o gosto pelos estudos, pelo conhecimento, em aprimorar as aptidões intelectuais.

No Seminário de Mariana, lecionou, anos a fio, inglês, língua portuguesa, latim e grego. Na Universidade Federal de Ouro Preto, sediado no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), ministrou os cursos de grego, latim, língua portuguesa e etimologia. Foi também professor da rede pública em Mariana.

Era um homem culto e sábio, discreto e serviçal, não dado a holofotes, mas atento em cumprir, com humildade, entrega e prontidão, o que lhe foi confiado. Foi autor de vários artigos e de livros, sobretudo, oriundos da pesquisa histórica, a respeito da atuação dos bispos de Mariana.

Na antiga Capela de Nossa Senhora da Boa Morte, no antigo Seminário Menor, há uma singela e bonita homenagem prestada pela UFOP, com uma “placa” assim afirmando: “Dizem que quem aqui se senta, fica mais inteligente”, numa menção ao cantinho onde o Monsenhor Flávio sempre se colocou naquela Capela deste os tempos de menino no Seminário Menor e depois, como morador e professor do Seminário e da Universidade que, na década de 80, ali se instalou.

Foi um escritor arguto, versátil, dotado de um estilo próprio, marcadamente clássico no modo de lidar com os vocábulos e, em especial, de grande sensibilidade e fidelidade à história. Ele assim iniciou, com mais de uma dezena de obras publicadas, um projeto audacioso e gigantesco que, esperamos, seja continuado, resgatando a memória e os feitos do pastoreio dos bispos e arcebispos de Mariana que com zelo e acuidade pastoral, cuidaram em evangelizar gerações e mais gerações.

Foi ele quem redigiu em latim os “epitáfios” dos bispos que serviram à Arquidiocese de Mariana, conforme podem ser observados na Cripta dos Bispos, na Catedral de Mariana. Por dezenas de anos, foi o responsável por conservar os processos “de genere et moribus.”, sobre a vida dos padres da Arquidiocese de Mariana e de fazer o seu devido registro “necrológico”.

Com destacado zelo, foi um entusiasta da Causa de Beatificação de Dom Viçoso. Por indicação de Dom Luciano Mendes, foi o Postulador da Causa no Tribunal da Arquidiocese, para a formação do processo canônico em Roma. Com exemplar paciência e dedicação, datilografou, em tempos em que não havia computador, todos os sermões manuscritos e outros documentos importantes do “Santo Bispo de Mariana”. Um trabalho árduo ao qual dedicou horas e horas a fio, até o mais tardar das noites. Muitas das vezes, um traço no manuscrito desafiava a sua perseverança e roubava-lhe o tempo para reconstituir o exato sentido da palavra que se tornara ilegível.

Era membro da Academia de Letras de Mariana e da Academia Sanjoanense de Letras, além de membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

Viveu a maior parte de seus anos no Seminário de Mariana, primeiro como seminarista e depois como sacerdote. Foi sempre uma presença benfazeja entre os padres e seminaristas. À primeira vista, passava a imagem de uma pessoa sisuda, imponente, de têmpora forte, mas foi sempre cortês, dono de um humor discreto e contagiante; por vezes, reservado, mas sempre amigo, fraterno e solidário. Quando mais jovem, gostava de jogar futebol com os seminaristas, aos finais de semana, depois de atender a paróquia. Era um atleticano nato e inflamado. Viveu grande parte de seus dias num quarto simples com banheiro, nas dependências do Seminário, sem luxos ou exigências, vivendo apenas com o necessário, o trivial.

Nos últimos anos, envelhecido e com a saúde instável, ele se transferiu para São João del Rei, indo morar com os familiares, recebendo carinho e cuidado deles e de seus conterrâneos. Celebrava a Eucaristia, regularmente, enquanto a saúde lhe permitiu, em preces constantes pela Igreja de Deus e pelas obras das vocações sacerdotais. Assim se concluíram os seus dias.

Sua vida, seu testemunho de fé, suas obras estarão sempre presentes nos anais da história de nossa Arquidiocese de Mariana e de nossa Minas Gerais, fazendo jus à sua importância e envergadura, mas, sobretudo, gravadas em nosso coração, sobretudo dos que tiveram a grata satisfação de conhecê-lo, de tê-lo como professor e de conviver com ele. Que grande presente Deus nos deu!

Na imitação de Cristo, o Bom Pastor, configurado a Ele, de modo especial, pelo ministério ordenado, Monsenhor Flávio procurou “passar por esse mundo, fazendo o bem” (At 10,28). Agora, ao nos preceder para o encontro derradeiro com o Senhor, ouve de Deus, após uma vida frutuosa e de muitos merecimentos, a “bem-aventurança” que um dia também esperamos ouvir: “Servo Bom e fiel, vem para a casa do teu Senhor” (Mt 25,21-23).

Texto: Pe. Marcelo Moreira Santiago

Fotos: Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana