Desde 1992, a Igreja Católica oferece aos fiéis católicos o Catecismo da Igreja Católica, publicado por ordem do papa são João Paulo II. A obra é “uma fonte acessível para os fiéis, catequistas, sacerdotes e outros interessados em compreender a fé católica”, disse o bispo-auxiliar do Rio de janeiro (RJ), Dom Joel Amado, presidente da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em entrevista concedida à ACI Digital.
Abaixo, reproduzimos na íntegra, as perguntas da ACI Digital e as respostas concedidas pelo presidente da Comissão de Doutrina da Fé da CNBB.
Encontramos muitas obras catequéticas na história da Igreja, especialmente para a instrução dos catecúmenos. Uma das primeiras e mais importantes foi a Didaqué (século I). Muitos Padres da Igreja, Santos e Doutores escreveram obras de valor catequético, como Santo Agostinho, São Cesário de Arles, São Tomás de Aquino, São Roberto Belarmino, entre outros. Mas foi no século XVI que surgiu o grande Catecismo Romano, também chamado de Catecismo do Concílio de Trento ou Catecismo de São Pio V. O Catecismo Romano destinava-se principalmente aos sacerdotes e bispos (ad parochos) como uma obra de grande valor teológico e catequético, promulgado oficialmente pela Igreja. É preciso fazer um destaque também ao Catecismo Maior do Papa São Pio X (1908).
Contudo, a Igreja católica promulgou, até hoje, dois Catecismos universais: o Catecismo Romano ou Catecismo de Trento (1566), e o Catecismo da Igreja Católica, promulgado em 1992 pelo Papa João Paulo II. O Catecismo da Igreja Católica, de 1992, é a mais recente compilação abrangente da doutrina católica e substitui o Catecismo Romano. A existência de um novo Catecismo não invalida necessariamente os anteriores, mas reflete uma atualização e uma expressão contemporânea da fé católica. O Catecismo atualiza a linguagem e a abordagem para refletir os desenvolvimentos teológicos e pastorais. Os católicos são incentivados a seguir o Catecismo mais recente como uma fonte confiável de ensinamentos da Igreja, mas isso não significa que os Catecismos anteriores se tornem totalmente inválidos. Em vez disso, os Catecismos anteriores podem ser considerados em seus contextos históricos e teológicos, e muitos ensinamentos fundamentais permanecem consistentes ao longo do tempo.
De fato, a redação de um Catecismo não foi uma decisão direta do Concílio Vaticano II (1962-1965). O Concílio, em vez de criar um novo Catecismo, concentrou-se em questões mais amplas de renovação e atualização na Igreja católica, abordando temas como liturgia, ecumenismo, a relação entre a Igreja e o mundo moderno, etc. A afirmação de Karl Rahner sobre a impossibilidade de escrever um Catecismo católico após o Concílio Vaticano II reflete uma perspectiva que enfatiza a complexidade e a diversidade de experiências e compreensões dentro da Igreja católica. O Concílio promoveu uma abordagem mais pastoral e dialogante em relação ao mundo moderno e outras tradições cristãs. Essa ênfase na pastoralidade e na abertura ao diálogo tornou desafiador consolidar uma síntese única e abrangente da fé católica em um único Catecismo universal.
No entanto, em 1992, quase três décadas após o encerramento do Concílio Vaticano II, o Papa João Paulo II promulgou o Catecismo da Igreja Católica. A redação deste Catecismo foi iniciada no final da década de 1980, sob a supervisão do Cardeal Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI). O Catecismo da Igreja Católica foi projetado para ser uma expressão sistemática da fé católica, reunindo e organizando os ensinamentos da Igreja. Foi uma tentativa de oferecer uma compilação coesa da doutrina católica, respondendo à necessidade de um recurso catequético e de ensino após o Concílio Vaticano II. Embora tenha sido promulgado décadas após o encerramento do concílio, muitos consideram o Catecismo da Igreja Católica como uma continuação do espírito conciliar, buscando apresentar a fé de maneira acessível e relevante para os desafios contemporâneos.
A ideia de um Catecismo da Igreja Católica, em analogia com o Catecismo Romano (1566), surgiu vinte anos após o final do Concílio Vaticano II, em outubro de 1985, com a Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos. A ideia não era totalmente nova, pois no último período do Concílio alguns bispos solicitaram um livro que pudesse conferir um aspecto concreto à obra do aggiornamento no campo da catequese. Surgiram algumas iniciativas como o Catecismo publicado pela Conferência Episcopal Holandesa, o qual foi aceito efusivamente em muitos países, mas gerou uma série de problemas teológicos e muitos questionamentos. Ouvindo o clamor da Igreja e dos bispos reunidos no Sínodo, o Papa João Paulo II nomeou, em 1986, uma comissão composta por 12 bispos e cardeais para compor um Catecismo de toda a doutrina católica, tanto em matéria de fé como de moral, inspirado no Concílio Vaticano II. Foi elaborado no espírito de comunhão e participação corresponsável, com comissões representativas de todos os continentes.
O Papa Paulo VI ensinava que o Concílio Vaticano II e os seus documentos são a grande catequese e o grande catecismo da Igreja do nosso tempo, por isso o Papa João Paulo II classificou o Catecismo da Igreja Católica como o fruto mais maduro e completo do ensinamento conciliar. Também o Papa Francisco, em 2017, recordou a importância do Catecismo como fruto do Concílio por sua capacidade de apresentar, com uma linguagem renovada, a beleza da fé em Jesus Cristo.
O Catecismo da Igreja Católica é uma obra de significativa importância para a Igreja Católica e seus fiéis, constituindo uma síntese da doutrina católica. O Catecismo busca apresentar uma síntese coesa e sistemática da doutrina eclesial; compila os ensinamentos fundamentais da fé católica, abrangendo tanto as questões de fé quanto as questões morais. Também permite o acesso à fé católica. O Catecismo serve como uma fonte acessível para os fiéis, catequistas, sacerdotes e outros interessados em compreender a fé católica. Ele fornece explicações claras e concisas dos princípios e práticas fundamentais da religião. O Catecismo está em continuidade com o Concílio Vaticano II. Como mencionado pelo Papa João Paulo II, o Catecismo é visto como um contributo importante para a obra de renovação iniciada pelo Concílio Vaticano II. Ele reflete o espírito conciliar, adaptando a fé católica aos desafios e circunstâncias da época contemporânea. É preciso frisar que o Catecismo é uma expressão da unidade na diversidade, pois ao oferecer uma fonte comum de ensinamentos, o Catecismo promove a unidade na diversidade dentro da Igreja católica, sendo um instrumento que pode ser usado para garantir que os católicos em todo o mundo compartilhem uma compreensão comum de sua fé. Outro grande mérito do Catecismo é o de ser uma referência autorizada e oficial da doutrina católica. Sua promulgação pelo Papa confirma sua autoridade na transmissão dos ensinamentos da Igreja. Por isso, pode servir como uma base sólida para o ensino religioso e a catequese em paróquias, escolas católicas e outras instituições de formação, auxiliando na transmissão da fé de maneira estruturada e abrangente.
O Catecismo da Igreja Católica desempenha um papel vital na preservação, transmissão e compreensão da fé católica. Ele é um recurso que visa fortalecer a identidade religiosa dos católicos e proporcionar uma base sólida para o entendimento da doutrina da Igreja. O Catecismo da Igreja Católica estabelece um ponto de referência, uma norma segura para a compreensão e anúncio da fé. Ele não apenas resgata o que é a doutrina da Igreja, mas apresenta também a conexão fundamental dos mistérios (a fé professada, celebrada, vivida e rezada), isto é, não reduz a fé a um mero sistema ou conteúdo, mas como uma realidade viva. O Catecismo da Igreja Católica corresponde à compreensão renovada da Igreja e da responsabilidade comum dos seus membros, isto é, possibilita a todos os fiéis, corresponsáveis e portadores da fé, não só receber a doutrina, mas também anunciar a fé. Constitui, para os fiéis, um instrumento de sua maioridade e de sua responsabilidade pela fé. O Catecismo serve de referência (e normativa) para a elaboração dos catecismos locais, favorecendo a inculturação e transmissão da fé.
As declarações do Papa João Paulo II, expressas na Constituição Apostólica Fidei Depositum, refletem a perspectiva da Igreja Católica sobre o Catecismo da Igreja Católica no momento de sua promulgação em 1992. Naquela época, o Papa destacou o Catecismo como um “instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial” e como uma “norma segura para o ensino da fé”. No entanto, é importante notar que as opiniões individuais de membros da hierarquia da Igreja, como o cardeal Reinhard Marx, podem variar. A declaração de Marx de que o Catecismo “não está gravado em pedra” e que é “permitido duvidar do que ele diz” reflete uma perspectiva mais flexível em relação à interpretação e aplicação do Catecismo.
A Igreja Católica, como instituição, enfatiza a importância da autoridade do Catecismo como um compêndio oficial dos ensinamentos da fé. No entanto, a dinâmica dentro da Igreja pode permitir uma certa flexibilidade na interpretação e aplicação do Catecismo em resposta aos desafios e questões contemporâneas. Mudanças ou ajustes na compreensão da fé podem ocorrer, mas são feitas dentro dos limites estabelecidos pela autoridade da Igreja. Portanto, enquanto as opiniões individuais podem variar, o Catecismo da Igreja Católica continua a ser considerado um instrumento importante para o ensino e a transmissão da fé na tradição católica. A autoridade última sobre a interpretação e a doutrina católica reside nas autoridades eclesiásticas, como o Papa e os bispos em comunhão com ele.
O Catecismo da Igreja Católica favorece a unidade eclesial, pois não reproduz opiniões de grupos, mas a fé da Igreja, que não foi inventada por nós. Mais ainda, manifesta a tarefa de mediação da Igreja: o que a Igreja acredita (“nós cremos” – dimensão eclesial) é apresentado a cada fiel de maneira clara e segura (“eu creio” – dimensão pessoal). A Igreja “guarda o depósito da fé” (1Tm 6,20; 2Tm 1,14). O Catecismo constitui uma síntese da fé e da doutrina da Igreja, por isso serve para confirmar e reforçar a sua unidade. Recusar o Catecismo na sua totalidade significa separar-se da fé e da doutrina da Igreja. No entanto, é possível fazer ajustes, esclarecimentos, mudanças como o Papa Francisco o fez em 2018, reescrevendo o artigo 2267, sobre a pena de morte, que não estava excluída do ensinamento tradicional da Igreja.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é responsável pela tradução do Catecismo da Igreja Católica. A tradução do Catecismo para o português foi feita a partir da publicação francesa (1992), primeiro texto do Catecismo, e cotejada com a italiana (1992). A partir da 9ª edição, no Brasil, o texto foi atualizado de acordo com a edição oficial latina (1997). O processo de tradução do Catecismo da Igreja Católica para o português no Brasil envolveu a colaboração de especialistas em teologia, liturgia e línguas, sob a supervisão da CNBB. A tradução busca garantir a fidelidade ao texto original, ao mesmo tempo em que adapta a linguagem e o contexto para uma compreensão clara e precisa por parte dos falantes de português. A intenção é disponibilizar o Catecismo em uma linguagem acessível e apropriada para os fiéis, facilitando assim a compreensão e a apropriação dos ensinamentos da Igreja Católica.
A publicação do Catecismo da Igreja Católica em 1992 foi significativa por várias razões, dentre as quais pode-se citar uma resposta às necessidades pós-conciliares e uma adaptação contínua na expressão da fé da Igreja. A recepção do Catecismo ajudou a compreender “a maravilhosa unidade do mistério de Deus (São João Paulo II) e intermediar a fé como um todo, como uma estrutura viva. Não é uma obra esgotada, ultrapassada. Sua atualidade é latente: mostra a coerência das verdades de fé, rompe com o relativismo, previne a fragmentação da fé eclesial, é caminho seguro para a Sagrada Escritura e riqueza global da tradição nas suas múltiplas formas, valoriza a categoria de mistério, de encontro, de vida em Cristo. Enfim, o Catecismo continua a propor a fé como resposta significativa à existência humana.
O Espírito Santo sempre iluminou a Igreja diante das mudanças do mundo, sobretudo a não se confundir com o mundo. Cremos que também nesse tempo de mudanças profundas, o Espírito continua a suscitar no Povo de Deus um novo ardor na evangelização e sabedoria para enfrentar as novas situações e problemas. Nesse sentido, o Catecismo é um grande dom do Espírito para nutrir e transmitir a fé de forma mais convincente. Os frutos do Catecismo, em seus mais de 30 anos, mostram sua necessidade premente. O Papa Francisco, inúmeras vezes, indicou a importância do Catecismo e da escuta do Espírito que fala à Igreja.
Quanto ao futuro do Catecismo diante das preocupações do Papa Francisco com as mudanças do mundo, é importante observar que o Papa tem enfatizado a necessidade de uma Igreja que seja “em saída”, ou seja, comprometida com o diálogo, a misericórdia e a compreensão das realidades contemporâneas. O Catecismo pode continuar a desempenhar um papel importante nesse contexto, desde que seja utilizado de maneira dinâmica e adaptativa, sempre em consonância com os princípios fundamentais da fé católica. O Papa Francisco encoraja a abertura ao diálogo, a atenção às periferias e a uma abordagem pastoral que leve em consideração as diversas situações enfrentadas pelas pessoas em todo o mundo. O Catecismo, portanto, pode ser uma ferramenta valiosa para articular e fundamentar esses princípios em um contexto em constante mudança.
Texto e foto: CNBB