Dirijo-me ao Povo de Deus da Arquidiocese de Mariana, um ano depois da grande tragédia do rompimento da barragem de Fundão, no distrito de Bento Rodrigues. O dia 5 de novembro de 2015 jamais se apagará em nossa memória, quando a lama de dejetos de minério matou 19 pessoas, destruiu as comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, prejudicou seriamente várias localidades nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, levou morte ao Rio Doce, colocou fim à subsistência de milhares de pessoas e devastou a natureza numa extensão de mais de 600 km até chegar ao oceano.
Muitas foram as manifestações que lembraram um ano da tragédia. Por toda a extensão da bacia do Rio Doce, realizaram-se seminários, encontros, exposições e outros eventos promovidos por várias organizações da sociedade civil, bem como reportagens e vídeos veiculados na imprensa nacional e estrangeira. Tudo isso fez-nos reviver o drama, a dor e o sofrimento dos atingidos pelo maior crime socioambiental do Brasil e um dos maiores do mundo.
A Arquidiocese de Mariana também fez memória dessa data com repique dos sinos em todas as suas paróquias e com a celebração da Missa pelos que tiveram sua vida levada pela lama. A Arquidiocese se fez representar no Ato que se realizou em Bento Rodrigues e também apoiou o encontro realizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que reuniu cerca de 800 pessoas em Mariana, provenientes de várias partes do Brasil e de outros países. Entretanto, a organização, logística e custos financeiros estiveram sob a responsabilidade do MAB.
Desde que houve o rompimento da barragem, nossa Arquidiocese, especialmente através de suas paróquias, tem-se colocado ao lado dos atingidos, fazendo-se presente em suas vidas no acompanhamento espiritual, no atendimento pastoral, nas celebrações religiosas e também na ajuda no discernimento das decisões e encaminhamentos, favorecendo sua organização, defendendo seus direitos e sua dignidade. Desde o início, a Arquidiocese dialoga e desenvolve ações em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens, que não é um organismo da Igreja, nem com ela tem vínculos institucionais ou qualquer forma de dependência econômica, pois o MAB é um movimento social que goza de sua legítima autonomia e é reconhecido não só no Brasil, mas também internacionalmente.
Há outros atores com os quais a Arquidiocese tem dialogado sempre na perspectiva de apoio aos atingidos. É o caso, por exemplo, do Coletivo Um Minuto de Sirene e o Fórum Acolher que tem procurado ajudar a vencer o preconceito e a discriminação que muitas vezes os atingidos têm sofrido por parte de alguns que ainda não compreenderam o drama que a tragédia provocou na vida daqueles que tiveram seus bens levados pela lama.
Diante da solidariedade manifestada por Dioceses, Paróquias, Congregações Religiosas, Caritas Diocesanas, e outras entidades, bem como por parte de cristãos leigos e leigas, a Arquidiocese de Mariana disponibilizou uma conta bancária para doações. Seu saldo em 11 de novembro de 2016 está no valor de R$ 1.013.650,84 (Um milhão, treze mil, seiscentos e cinqüenta reais e oitenta e quatro centavos). Em carta aberta publicada no site da Arquidiocese no dia 2 de março do corrente ano, foi devidamente explicado o procedimento a ser adotado: “Em relação à aplicação dos recursos, a Arquidiocese de Mariana estabelece os seguintes critérios:
1) os recursos não serão aplicados naquilo que é obrigação direta da empresa responsável pelo rompimento da barragem;
2) os valores serão usados em favor dos atingidos pela barragem em toda área desta Arquidiocese e não apenas daqueles que se encontram no município de Mariana;
3) não deve haver pressa em aplicar os recursos, pois, entende-se que, passada a fase emergencial, vai-se prolongar o tempo de negociações e, certamente, novas necessidades vão surgir; entretanto, por intermédio da Caritas Arquidiocesana, os atingidos serão atendidos em suas necessidades, desde que não se trate de cobrir despesas que competem à empresa responsável;
4) as doações enviadas à Arquidiocese de Mariana para essa finalidade se destinarão, preferencialmente, para financiar projetos coletivos apresentados pelas comunidades atingidas”.
Estes critérios têm sido rigorosamente cumpridos pela Arquidiocese com o devido acompanhamento e aprovação do Ministério Público de Mariana ao qual a Arquidiocese presta contas mensalmente, enviando os extratos bancários e as notas das despesas. A Comissão dos Atingidos também tem ciência desse procedimento.
Passado um ano do rompimento da barragem, reafirmamos nosso compromisso com os atingidos/as. Temos consciência de que todos fomos atingidos por essa tragédia que transtornou a vida de nossa região e espalhou insegurança para milhares de famílias. Reafirmamos também nossa solidariedade com os trabalhadores e trabalhadoras demitidos e com aqueles que se sentem ameaçados de perder seu emprego, pois também eles são atingidos por essa tragédia de dimensões e consequências incalculáveis. Esperamos que as justas reivindicações dos atingidos sejam atendidas e sua participação nas decisões que lhes dizem respeito seja levada em conta. Reafirmamos igualmente que a ação mineradora só se legitima se respeitar o meio ambiente, a dignidade e os direitos humanos para que a vida não seja sacrificada pela sede desenfreada de lucro.
Ainda é muito longo e penoso o caminho a ser percorrido, mas não podemos nos arrefecer. Sabemos que pouco foi feito diante do muito a se fazer e as respostas dadas até agora, no dizer de especialistas da ONU têm sido “simplesmente insuficientes para lidar com as massivas dimensões dos custos humanos e ambientais decorrentes desse colapso, que tem sido caracterizado como o pior desastre socioambiental da história do país”. Por isso, reafirmamos o que dizem esses especialistas: “o governo brasileiro e as empresas envolvidas devem dar resposta imediata aos numerosos impactos que persistem, em decorrência desse desastre”.
Neste contexto de dor e sofrimentos, reconforta-nos a palavra do Senhor que nos encoraja a prosseguir na defesa da vida, dos direitos, da dignidade e da justiça: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada? Em tudo isto, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou” (Rm 8,35.37).
Mariana, 11 de novembro de 2016
+Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo Metropolitano