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Dom Vicente fala, em nome da Igreja no Brasil, sobre Brumadinho na ONU em Genebra

03 de março de 2020 Igreja no Brasil

De 25 de fevereiro a 11 de março, o bispo auxiliar de Belo Horizonte e membro da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Vicente de Paula Ferreira cumpre uma intensa agenda na Europa, incluindo a visita ao Papa Francisco e à Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra.

Também integram a comitiva de compromissos na Europa, o frei franciscano Rodrigo Peret, da Rede Igrejas e Mineração da Arquidiocese de Belo Horizonte e o padre Dario Bossi, missionário italiano provincial dos combonianos no Brasil, membro da Comissão de Ecologia Integral da CNBB. Segundo os organizadores da viagem, trata-se de uma agenda para tratar da incidência e do trabalho que a Igreja Católica vem realizando após os impactos advindos do rompimento da barragem de Brumadinho em 25 de janeiro de 2019.

O rompimento da barragem é considerado como o maior desastre ambiental da mineração no Brasil. A barragem de rejeitos, cuja designação oficial era barragem da Mina do Feijão, classificada como de “baixo risco” e “alto potencial de danos”, era controlada pela Vale S.A. e estava localizada no ribeirão Ferro-Carvão, na região de Córrego do Feijão, no município brasileiro de Brumadinho, a 65 km de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O rompimento resultou em um desastre de grandes proporções, considerado como um desastre industrial, humanitário e ambiental, com 259 mortos e 11 desaparecidos. O desastre pode ainda ser considerado o segundo maior desastre industrial do século e o maior acidente de trabalho do Brasil.

Encontro com o Santo Padre

Em encontro com o Papa Francisco na Casa Santa Marta na sexta-feira, 28 de fevereiro, o bispo auxiliar de Belo Horizonte disse que, a exemplo dos sonhos do Santo Padre na exortação pastoral para a Amazônia, o seu sonho é que Brumadinho pudesse ser para humanidade um caso especial.

“Que a gente tem que se debruçar sobre isso para aprender alguma coisa, porque o meu medo é que Brumadinho seja mais um caso e passe. Eu sei que pode ser uma coisa meio utópica, mas eu peço a Deus que seja assim, que a gente aprenda e diga: nunca mais queremos isso para a humanidade”, disse.

Dom Vicente concelebrou missa com o Santo Padre e aproveitou a ocasião para reiterar a sintonia da agenda que está cumprindo na Europa com o tema da Ecologia Integral, no contexto de celebração dos 5 anos da Laudato Si e do recém lançamento da exortação pós sinodal “Querida Amazônia”.

Essa união, essa comunhão com o Santo Padre foi expressada na celebração da Eucaristia, que é a nossa mesa comum, o nosso Sacramento maior, fonte e cume da Igreja. Então celebrar com ele neste tempo quaresmal, também de conversão, para nós foi uma grande experiência”, afirmou.

Brumadinho na 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Um dos pontos altos da agenda que inclui também encontro com jornalistas alemães e austríacos foi a participação do bispo na 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização para as Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente no dia 3 de março. Em pronunciamento(veja íntegra abaixo) perante os representantes dos países que integram o Conselho, o bispo contestou o relatório das Nações Unidas que considera boas as práticas do Brasil na preservação do meio ambiente.

Dom Vicente destacou que as populações não são consultadas no processo de licenciamento para a implantação de megaprojetos e pediu que o governo do Brasil ratifique o Acordo de Escazú, fornecendo informações, consultas e participação suficientes das comunidades e da sociedade nos processos de licenciamento. Dom Vicente ressaltou também que os rompimentos das barragens em Brumadinho – há um ano – e em Mariana, há cinco anos – continuam produzindo efeitos nocivos nas comunidades e no meio ambiente, nada tendo sido feito para impedir outros eventos semelhantes.

Após a reunião na ONU, o bispo concedeu entrevista coletiva à imprensa internacional, e participou de reunião no Escritório da Franciscans International, que atua na proteção da dignidade humana e da justiça ambiental, nas Nações Unidas. Com uma intensa agenda, dom Vicente Ferreira participa de debates e encontros, concede entrevistas a jornalistas e reúne-se com parlamentares em outros quatro países da Europa, além da Itália: Áustria, Suíça, Bélgica e Alemanha, partilhando iniciativas de defesa da Ecologia Integral, desenvolvidas pela Comissão Especial sobre Mineração e Ecologia Integral da CNBB e pela Rede Igrejas e Mineração.

Dom Vicente Ferreira iniciou a viagem pela cidade de Roma, Itália. Em seu primeiro compromisso, participou de evento sobre impactos da mineração e acompanhamento dos atingidos por parte da Igreja, promovido pela União Internacional das Superioras Gerais (UISG) – Centro per la Vita Religiosa Regina Mundi .

O religioso falou sobre questões relacionadas às consequências da atividade mineradora e a ação da Igreja junto à população e ao poder público. No mesmo dia, participou de reunião com a equipe do Escritório Geral da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC) da Ordem dos Frades Menores – Franciscanos.

O representante da Comissão de Ecologia Integral da CNBB atende ao convite de organizações de defesa do meio ambiente, após coordenar importante trabalho da arquidiocese de Belo Horizonte no amparo às vítimas do rompimento barragem de rejeitos de mineração no Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, em janeiro de 2019. O bispo também se encontrou com o prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano,o cardeal ganense Peter Turkson.

Confira a íntegra do discurso de dom Vicente à 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra.

Diálogo interativo com o relator especial sobre direitos humanos e meio ambiente

Março 2, 2019
Pronunciado por: Vicente de Paula Ferreira
Obrigado Sr. Vice-Presidente,

Congratulamo-nos com o relatório do relator especial, Sr. Boyle. Também concordamos que proteger o meio ambiente contribui para o cumprimento dos direitos humanos e isso contribui para salvaguardar nossa casa comum.

Embora o Brasil tenha sido listado no seu relatório como um exemplo de boas práticas, a realidade difere do que o país possui em sua legislação, particularmente no acesso a informações ambientais. As comunidades geralmente não são consultadas quando da concessão de licenças para megaprojetos ou essas licenças são concedidas sem seguir o procedimento legal.

Nesse sentido, pedimos ao governo do Brasil que ratifique o Acordo de Escazú* e forneça informações, consultas e participação suficientes das comunidades e da sociedade civil no processo de licenciamento de megaprojetos, principalmente de mineradoras.

Faz um ano desde a quebra da barragem de rejeitos em Brumadinho e cinco anos desde Mariana. Até agora, os dois desastres continuam produzindo efeitos nocivos nas comunidades e no meio ambiente locais e nada foi feito para impedir eventos semelhantes. Somente no estado de Minas Gerais, existem pelo menos 40 barragens com risco de colapso e grande risco de possíveis danos.

Não será possível realizar progressivamente o direito a um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável no Brasil se o governo não assumir suas obrigações internacionais, inclusive ao prevenir e garantir que as empresas sejam responsabilizadas e ao combater a impunidade como um impedimento para evitar que desastres criminosos aconteçam de novo e de novo.

Obrigado, Sr. Vice-Presidente,

*O Acordo de Escazú é o primeiro tratado ambiental de direitos humanos na América Latina e no Caribe. Foi aprovado em março de 2018 após uma negociação que durou cerca de seis anos. Desenvolve o Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que visa garantir o acesso à informação, a participação do cidadão e o acesso à justiça em questões ambientais. O Acordo de Escazú desenvolve esses três direitos e visa promover uma melhor governança dos recursos naturais na região. Vinte e quatro estados aprovaram seu texto final em março de 2018, uma cidade costarriquenha de Escazú, onde foi realizada a última das nove reuniões do Comitê de Negociação. O Brasil assinou, contundo não ratificou, o que o torna ineficaz, no país.

O Acordo de Escazú incorpora vários elementos inovadores. Primeiro, possui uma disposição específica sobre defensores de direitos humanos ambientais (DRHs) sem precedentes na região. Segundo, consagra uma abordagem baseada em direitos aos povos indígenas e populações vulneráveis, com disposições para favorecer o acesso à informação, a participação e o acesso à justiça por esses grupos. Terceiro, também responde ao espírito dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos em relação às obrigações específicas das empresas de respeitar os direitos humanos no contexto de suas atividades.

Fonte: CNBB

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