“O tema da sinodalidade não é o capítulo de um tratado de eclesiologia, muito menos uma moda, um slogan ou o novo termo a ser usado ou explorado em nossas reuniões. Não! A sinodalidade expressa a natureza da Igreja, sua forma, seu estilo, sua missão”. Assim explicou o Papa Francisco sobre a proposta de uma Igreja sinodal a partir do caminho do Sínodo de 2023, em um evento da diocese de Roma realizado no último sábado, 18 de setembro.
Francisco recordou o tema sustentado em três pilares “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” e as três fases que ocorrerão de outubro deste ano até outubro de 2023. “Este itinerário foi concebido como um dinamismo de escuta mútua, Quero sublinhar: um dinamismo de escuta recíproca, realizado em todos os níveis da Igreja, envolvendo todo o povo de Deus”, sublinhou.
A escuta a que o Papa se refere deve ocorrer em todos os níveis, bispos, sacerdotes, religiosos e leigos que devem escutar uns aos outros.
“Não se trata de reunir opiniões, não. Esta não é uma investigação; mas é uma questão de ouvir o Espírito Santo, como encontramos no livro do Apocalipse: «Quem tem ouvidos, ouve o que o Espírito diz às igrejas» (2,7). Ter ouvidos, ouvir, é o primeiro compromisso. Trata-se de ouvir a voz de Deus, captar sua presença, interceptar sua passagem e fôlego de vida”.
A natureza da Igreja expressa na sinodalidade está explicada no “primeiro e mais importante ‘manual’ de eclesiologia, que é o livro dos Atos dos Apóstolos”, segundo o Papa.
“A palavra ‘sínodo’ contém tudo o que precisamos entender: ‘caminhar juntos’. O livro de Atos é a história de uma viagem que parte de Jerusalém e, atravessando Samaria e Judéia, continuando nas regiões da Síria e da Ásia Menor e depois na Grécia, termina em Roma. Esta estrada conta a história em que a Palavra de Deus e as pessoas que voltam sua atenção e fé para essa Palavra caminham juntas. A Palavra de Deus caminha conosco. Todos são protagonistas, ninguém pode ser considerado um mero figurante. Isso deve ser bem compreendido: todos são os protagonistas”, explicou o Papa.
O livro dos Atos fala do anúncio pelos lugares geográficos e “da inquietação interior que surge da própria fé” e faz os apóstolos se moverem, mostrando-se dóceis ao Espírito Santo. Pedro e Paulo, segundo o Papa, são discípulos do Espírito Santo, o qual “os faz descobrir a geografia da salvação divina, abrindo portas e janelas, derrubando paredes, rompendo correntes, libertando fronteiras”. A partir da experiência de anúncio desses dois, se ensina que “nós somos a Igreja, todos juntos”.
É esse mesmo Espírito Santo que em outras ocasiões, como nos episódios da instituição dos diáconos e da aceitação dos pagãos – relatados no livro dos Atos dos Apóstolos – que é protagonista nos caminhos de decisões.
“Com discernimento, com necessidades, com a realidade da vida e com a força do Espírito, a Igreja avança, caminha junto, é sinodal. Mas sempre há o Espírito como grande protagonista da Igreja”, sublinha o Papa.
Assim, Francisco faz uma indicação para o caminho sinodal: “Se não houver Espírito, será um parlamento diocesano, mas não um Sínodo. Não estamos a fazer um parlamento diocesano, não estamos a estudar isto ou aquilo, não: estamos a percorrer um caminho de escuta e escuta do Espírito Santo, de discussão e também de discussão com o Espírito Santo, que é uma forma de orar”.
Uma Igreja sinodal é sacramento da promessa de que o Espírito Santo estará com ela, “cultivando a intimidade com o Espírito e com o mundo vindouro”. E, diante das discussões, as soluções são buscadas “dando a palavra a Deus e a sua voz entre nós orando e abrindo nossos olhos para tudo ao nosso redor; praticando uma vida fiel ao evangelho; interrogando a Revelação segundo uma hermenêutica peregrina que sabe salvaguardar o caminho iniciado nos Atos dos Apóstolos“.
Francisco explicou que essa “hermenêutica peregrina” refere-se a algo que se move, está a caminho. Assim, fica estabelecido o estilo da jornada: “as realidades, se não caminham, são como as águas. As realidades teológicas são como a água: se a água não flui e é rançosa, é a primeira a entrar em putrefação. Uma Igreja obsoleta começa a apodrecer”.
Voltando a falar do processo sinodal em si, Francisco ressaltou a importância da fase diocesana, na qual se escuta a totalidade dos batizados, “sujeito infalível do sensus fidei in credendo”, e se reforça a ideia da horizontalidade como linha eclesial
“A Igreja Sinodal restaura o horizonte de onde nasce o sol Cristo: erigir monumentos hierárquicos significa cobri-lo. Os pastores caminham com o povo: nós pastores caminhamos com o povo, ora na frente, ora no meio, ora atrás. O bom pastor deve mover-se assim: na frente para guiar, no meio para encorajar e não esquecer o cheiro do rebanho, atrás porque o povo também tem “nariz”. Ele tem faro para encontrar novos caminhos para a jornada ou para encontrar o caminho perdido
E a totalidade dos batizados envolve escutar e envolver os marginalizados, aqueles que a sociedade descarta. Disse o Papa:
“‘Mas, padre, o que está dizendo? Os pobres, os mendigos, os jovens toxicodependentes, todos esses que a sociedade descarta, fazem parte do Sínodo?’ Sim, meu caro, sim, minha cara: não sou eu quem digo, quem o diz é o Senhor: eles fazem parte da Igreja. A tal ponto que, se você não os chamar, eles verão como fazer isso, ou, se você não vai ao encontro deles para ficar um pouco com eles, para sentir não o que eles dizem, mas o que eles sentem, até os insultos que lhe proferem, você não está fazendo bem o Sínodo. O Sínodo é até o limite, inclui a todos”.
Para Francisco, se não incluirmos os descartados, “jamais poderemos nos encarregar de nossas misérias”. E no caminho sinodal, é preciso ter claro que o Espírito Santo em sua liberdade “não conhece fronteiras e nem mesmo se deixa limitar pela pertença”. Assim, a indicação é que todos estejam preparados para surpresas.
Francisco concluiu encorajando os fiéis da diocese de Roma a levarem a sério o processo sinodal, que ouçam o Espírito Santo e que não deixem ninguém fora ou para a traz.
Será bom para a Diocese de Roma e para toda a Igreja, que não se fortaleçam apenas reformando as estruturas, mas se redescobrindo que são um povo que quer caminhar juntos, entre nós e com a humanidade”.
Texto: CNBB
Imagens: Reprodução Youtube/Vatican News
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