segunda-feira

, 23 de dezembro de 2024

Catequese do Papa Francisco: a oração do cristão

13 de maio de 2020 Igreja no Brasil

CATEQUESE DO PAPA FRANCISCO
Tema: a oração do cristão

Biblioteca do Palácio Apostólico
Quarta-feira, 13 de maio de 2020

Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal (Canção Nova)

Queridos irmãos e irmãs, bom dia,

Damos hoje o segundo passo no caminho de catequeses sobre a oração, iniciado na semana passada.

A oração pertence a todos: aos homens de cada religião, e provavelmente também àqueles que não professam nenhuma. A oração nasce no segredo de nós mesmos, naquele lugar interior que frequentemente os autores espirituais chamam “coração” (cfr Catecismo da Igreja Católica, 2562-2563). Rezar, portanto, em nós não é algo periférico, não é uma faculdade secundária e marginal, mas é o mistério mais íntimo de nós mesmos. É este mistério que reza. As emoções rezam, mas não se pode dizer que a oração seja somente emoção. A inteligência reza, mas rezar não é somente um ato intelectual. O corpo reza, mas se pode falar com Deus mesmo na mais grave invalidez. É, portanto, todo o homem que reza, reza o seu “coração”.

A oração é um impulso, é uma invocação que vai além de nós mesmos: algo que nasce no íntimo de nossa pessoa e se estende, porque sente a saudade de um encontro. Esta nostalgia que é mais que uma necessidade, mais que uma necessidade: é um caminho. A oração é a voz de um “eu” que balança, que procede tateando, procurando um “Tu”. O encontro entre o “eu” e o “Tu” não pode ser feito com calculadoras: é um encontro humano e tantas vezes se procede com dificuldades, muitas vezes, para encontrar o “Tu” que o meu “eu” procura”.

A oração do cristão nasce, em vez disso, de uma revelação: o “Tu” não ficou envolvido no mistério, mas entrou em relação conosco. O cristianismo é a religião que celebra continuamente a “manifestação” de Deus, isso é, a sua epifania. As primeiras festas do ano litúrgico são a celebração deste Deus que não fica escondido, mas oferece a sua amizade aos homens. Deus revela a sua glória na pobreza de Belém, na contemplação dos Magos, no batismo no Jordão, no milagre das bodas de Caná. O Evangelho de João conclui com uma afirmação sintética o grande hino do Prólogo: “Ninguém jamais viu a Deus; quem nos revelou Deus foi o Filho único, que está junto ao Pai” (1, 18). Foi Jesus que nos revelou Deus.

A oração do cristão entra numa relação com o Deus do rosto terno, que não quer amedrontar os homens. Essa é a primeira característica da oração cristã. Se os homens eram acostumados a se aproximar de Deus um pouco tímidos, com um pouco de medo desse mistério fascinante e tremendo, se eram acostumados a venerá-lo com uma atitude servil, semelhante à de um súdito que não quer faltar de respeito ao seu senhor, os cristãos se voltam para Ele, ousando chamá-lo de maneira confidente com o nome de “Pai”. Antes, Jesus usa uma outra palavra: “papai”.

O cristianismo baniu da ligação com Deus toda relação “feudal”. No patrimônio da nossa fé não estão presentes expressões como “submissão”, “escravidão” ou “vassalagem”; mas palavras como “aliança”, “amizade”, “promessa”, “comunhão”, “proximidade”. No seu longo discurso de adeus aos discípulos, Jesus diz assim: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça. Eu assim vos constituí, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos conceda” (Jo 15, 15-16). Mas este é um cheque em branco: “Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, vos concedo”!.

Deus é o amigo, o aliado, o esposo. Na oração, se pode estabelecer uma relação de confidência com Ele, tanto é verdade que, no “Pai-Nosso”, Jesus nos ensinou a fazer uma série de pedidos a Deus. Podemos pedir a Deus tudo, explicar tudo, contar tudo. Não importa se na relação com Deus sentimos que somos falhos: não somos bons amigos, não somos filhos agradecidos, não somos esposos fiéis. Ele continua nos querendo bem. É o que Jesus demonstra definitivamente na Última Ceia, quando diz: “Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22, 20). Nesse gesto, Jesus antecipa o mistério da cruz no cenáculo. Deus é um aliado fiel: se os homens deixam de amar, Ele continua a amá-lo, mesmo que o amor o leve ao Calvário. Deus está sempre perto da porta do nosso coração e espera que a abramos. E às vezes bate ao coração, mas não é um invasor: espera. A paciência de Deus conosco é a paciência de um pai, de alguém que nos ama muito. Eu diria que é a paciência de um pai e uma mãe. Sempre perto do nosso coração, e quando Ele bate, o faz com ternura e com muito amor.

Procuremos todos rezar assim, entrando no mistério da Aliança. A colocar-nos através da oração nos braços misericordiosos de Deus, sentir-nos envolvidos nesse mistério de felicidade que é a vida trinitária, a sentir-nos convidados que não mereciam tanta honra. E a repetir a Deus, no estupor da oração: é possível que Tu apenas conheces o amor? Ele não conhece o ódio. Ele é odiado, mas não conhece o ódio. Conhece somente amor. Esse é o Deus ao qual nos dirigimos. Este é o núcleo incandescente de toda oração cristã. O Deus de amor, o nosso Pai que nos espera e nos acompanha.