Querido leitor, neste ano nossa amada Arquidiocese completa o memorável marco de 280 anos de história, tradição e fé. Tendo como sede a cidade de Mariana — a primeira vila, cidade e capital do Estado de Minas Gerais — é possível afirmar que a história dessa terra se confunda com a de nossa Igreja Particular.
O ato de contar contos, reviver lembranças e relembrar personagens de expressão é encher de vida nossa memória histórica e cultural. Por isso, ao longo deste ano dedicaremos parte de nossos escritos para apresentar uma parcela dos incontáveis fatos e recordações da Arquidiocese de Mariana.
Começaremos, neste texto, com a nomeação, ordenação e entrada solene do sétimo Bispo da então Diocese de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso. Esta história tem início há pouco mais de 180 anos. Para preencher as linhas desta história, usamos como referência o livro “Vida de Dom Antônio Ferreira Viçoso”, escrito por Dom Silvério Gomes Pimenta.
Nascido na Vila de Peniche, em Portugal, Dom Viçoso foi ordenado presbítero em março de 1818. Mudou-se para o Brasil no ano seguinte para servir como missionário. Chegando ao Rio de Janeiro foi designado pelo rei de Portugal, Dom João VI, para assumir o colégio do Caraça com mais três padres.
Em agosto de 1842, Padre Viçoso e sua comitiva partiram do Caraça em direção ao Triângulo Mineiro, buscando refundar a instituição de ensino em uma terra próspera e longe de revoltas. Após 40 dias de jornada pelos sertões mineiros eles culminaram na vila “Campo Bello da Farinha Podre”, hoje Campina Verde.
Sem saber, nem ao menos pensar na possibilidade, o sacerdote seria nomeado Bispo em breve. Dom Silvério afirma no capítulo IX de sua obra, que não haveria ninguém melhor do que Dom Viçoso para governar a Diocese de Mariana, e dentre os fatores estava sua maturidade.
“Estava nos anos da madureza, pois contava seus cinquenta e seis [anos], tão vigoroso, como se então entrara nos trinta, robusto, sadio, e de uma compleição que prometia vencer um século”, assegura.
Naquele momento a Diocese de Mariana estava há quase nove anos sem um prelado. Após a morte de Dom Frei José da Santíssima Trindade, em 1835, alguns membros do clero local chegaram a administrar a Diocese, mas nenhum deles foi nomeado Bispo, estendendo-se a vacância do áureo trono episcopal.
Conta-se que em um lindo dia de 1843, entrou pela porta do Seminário de Campo Bello um mensageiro com papéis importantes. Naquele tempo quem nomeava um bispo era o imperador do Brasil, enviando um aviso ao escolhido e sua indicação a Roma para se obter a confirmação do Papa.
Um processo demorado e cheio de imprevistos. Qualquer correspondência enviada para a Europa era transportada por navio, levando, muitas vezes, alguns meses para ser respondido.
Um dos papéis trazidos pelo mensageiro era o aviso de nomeação de Dom Viçoso à Diocese de Mariana, assinado no dia 7 de janeiro daquele mesmo ano. Por algum motivo a primeira via do documento não chegou às mãos do endereçado. Sem respostas, o império enviou pela segunda vez o aviso de nomeação, no dia 2 de março, pedindo uma resposta com urgência.
Padre Viçoso recebeu os papeis de sua nomeação com “tristeza, desgosto e consternação”, como relata Dom Silvério em seu livro. Sabendo da sua nova sina, ele passou muitas noites sem dormir, abismado e apavorado. Ele tinha um espírito humilde e pensava ser uma missão grandiosa demais.
Antes de desistir do chamado, seu diretor espiritual deu-lhe consciência de sua responsabilidade com as almas, que iriam ficar por mais tempo desamparadas.
A conversa fez que ele aceitasse o importante posto. Caiu de joelhos aos pés do tabernáculo, levantando animado e disposto para a missão. Respondeu ao aviso e partiu para o Rio de Janeiro, ainda capital do país, na companhia de Joaquim André e João Teixeira.
Enquanto esteve hospedado na capital esperando as Bulas Papais chegarem, o agora Monsenhor Viçoso esteve em conversas com o Internúcio e Delegado Apostólico de Roma, Monsenhor Ambrósio Campodônico, sobre a preocupante situação de escândalo religioso da Bahia.
Monsenhor Ambrósio pediu que o Bispo Eleito de Mariana fosse à Bahia como Visitador-Apostólico para reformar a comunidade religiosa daquele estado. Ele foi enviado, cumpriu o pedido e retornou ao Rio de Janeiro para aguardar sua ordenação episcopal.
As Bulas foram expedidas no dia 24 de janeiro de 1844, e só chegaram ao Brasil no final do mês de março do mesmo ano. A cerimônia de ordenação deu-se no dia 5 de maio, 4º Domingo da Páscoa do Senhor, no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro.
O Bispo Sagrante foi Dom Manoel do Monte Rodrigues de Araújo, de São Sebastião do Rio de Janeiro; e os consagrantes foram Dom José Afonso de Morais Tôrres, do Grão-Pará e o Dom Frei Pedro de Santa Mariana, Bispo Titular de Crisópolis.
Poucos dias depois, Dom Viçoso partiu para assumir a sua Diocese no coração de Minas Gerais. Ao longo do percurso, os povoados que se encontravam no caminho festejavam a passagem de seu novo Pastor.
No dia 15 de junho chegou a Ouro Preto, sendo recebido pelo Presidente da Provincia, membros da Câmara Municipal e de um grande número de pessoas de todas as classes. Ao chegar, fez uma oração na Igreja Matriz, e hospedou-se no palácio do presidente para, no dia seguinte, seguir caminho para Mariana.
Durante o trajeto, pessoas de toda a região vinha, em grandes proporções, para vê-lo. Ele encontrou uma cidade em polvorosa, bem agitada para receber o novo eclesiástico, depois de nove anos.
O novo Bispo se paramentou na Igreja de São Francisco de Assis e foi a cavalo até um pouco antes da Catedral da Sé. Devido ao agitamento e barulho do povo, seu cavalo se irritou, obrigando-o a ir o restante do trajeto a pé debaixo do pálio.
“[…] por onde passava, as portas e janelas trajavam sedas, damascos, e outros estofos de preço, em demonstração da alegria de seus moradores, e uma multidão compacta de admiradores tornava quase impossível o trânsito”, escreve Dom Silvério.
Com a entrada na Catedral, iniciou-se o ato de posse, finalizando-se com um Te Deum em ação de graças pelo envio de um novo Pastor para esta Igreja Particular.
Texto: Paulo César Gouvêa/Arquidiocese de Mariana
Fotos: Arquivo Arquidiocese de Mariana
Com informações de “Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso Bispo de Mariana e Conde da Conceição”
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