quarta-feira

, 03 de julho de 2024

Homilia de Dom Geraldo na celebração de encerramento do 6° Fórum Social pela Vida

30 de outubro de 2016 Arquidiocese

Na Celebração Eucarística, por ocasião do encerramento do 6° Fórum Social pela Vida, na Basílica do Sagrado Coração de Jesus, em Conselheiro Lafaiete, neste domingo, 30 de outubro, Dom Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo de Mariana, fez a seguinte homilia:

Instruídos pelo livro da Sabedoria, cujo trecho ouvimos na primeira leitura, também nós proclamamos: “Senhor, de todos tens compaixão, porque tudo podes. Fecha os olhos aos pecados dos seres humanos para que se arrependam” (Sb 11,23). O Senhor fecha os olhos aos pecados, não para fazer vista grossa, nem para aprovar o malfeito. Ele fecha os olhos, para que as pessoas se arrependam de seus pecados. Arrependimento não é mesmo que remorso, nem complexo de culpa, nem simplesmente dizer, ‘meu Deus, eu peço perdão’. Arrepender-se significa abandonar o erro e reparar o mal praticado, como fez Zaqueu, conforme nós ouvimos no evangelho há pouco proclamado.

Em seu evangelho, Lucas nos apresenta diversos sinais que mostram Jesus cheio de compreensão e que vem salvar a todos. Ele é o redentor e amigo dos pecadores e perdulários. Jesus é a imagem visível do Deus invisível. Ele revela a face misericordiosa do Pai, que acolhe os pecadores e lhes concede o perdão. Diz o livro da Sabedoria: “Senhor,corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti” (Sb 12,2).

Com grande realce, o Evangelista Lucas sublinha o traço misericordioso do perfil de Cristo Jesus: “O Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Assim, a ovelha que se havia perdido pelo pecado, na misericórdia encontra o caminho de volta. A misericórdia de Deus, revelada em Jesus, fez brotar também a misericórdia no coração de Zaqueu: “Senhor, eu dou a metade de meus bens aos pobres”. A justiça de Deus gerou sentimento de justiça em Zaqueu, que exclama: “Se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc 19,8).

Zaqueu quis ver Jesus, e por isso subiu numa árvore. Mas, foi Jesus quem viu Zaqueu e se prontificou a ir almoçar com ele. No processo de conversão e no encontro com Cristo, a iniciativa é sempre dele. Por isso, confiantes na misericórdia de Deus que se revela em Jesus Cristo, nós também podemos proclamar com o autor de Livro da Sabedoria:  “Senhor, amigo da vida, a todos tratas com bondade” (Sb 11, 26).

Na restituição, Zaqueu ultrapassa os limites estabelecidos pela Lei de Moisés, como prescreve o livro do Êxodo: “Se alguém roubar um boi ou uma ovelha e os abater ou vender, restituirá cinco bois por um boi e quatro ovelhas por uma ovelha” (Ex 21,37). Ou o que diz o livro dos Números: “Se um homem ou uma mulher cometer algum dos pecados pelos quais se ofende a Deus, essa pessoa é culpada. Confessará o pecado cometido e restituirá o valor de que é devedor, acrescido de um quinto. Restituirá àquele a quem prejudicou” (Nm 5,5). Entretanto, Zaqueu diz a Jesus: “Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc 19, 8).Sem conversão não há salvação. Zaqueu restituiu o que roubou e reparou o mal que havia praticado; por isso, ouviu do Senhor estas palavras consoladoras: “Hoje entrou a salvação nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,9-10).

Nossa ação evangelizadora deve espelhar-se nas atitudes de Jesus que se dirige a todos, ricos e pobres, grandes e pequenos. Ele come com os pecadores, mas não para se igualar com eles no pecado e sim para chamá-los à conversão. Portanto, não podemos ser infiéis ao Evangelho, compactuando com a injustiça e a exploração que geram a exclusão e a miséria. Devemos nos colocar sempre ao lado dos pobres, como fez Jesus. A opção preferencial pelos pobres faz parte integrante de uma autêntica ação evangelizadora. Diz-nos o Papa Francisco em sua Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual: “Deriva da nossa fé em Cristo, que se fez pobre e sempre se aproximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade” (EG186). “Cada cristão e cada comunidade são chamados a serem instrumentos de Deus a serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo […]. Lembremos também com quanta convicção o Apóstolo Tiago retomava a imagem do clamor dos oprimidos: «Olhai que o salário que não pagastes, aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, está clamando; e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo» (Tg5, 4) (EG 187).«A Igreja, guiada pelo Evangelho da Misericórdia e pelo amor ao ser humano, escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas as suas forças» (EG 188).“Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social,não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais” (EG 202).

O VI Fórum que estamos encerrando se situa no contexto do Ano Santo da Misericórdia. Hoje, nesta Basílica do Sagrado Coração de Jesus,celebramos o Jubileu das Pastorais Sociais de nossa Arquidiocese, comemorando também os 15 anos da realização do primeiro Fórum Social pela Vida. O fórum que estamos encerrando, se constitui num grande marco no décimo aniversário de falecimento do Servo de Deus Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida. A primeira Romaria em memória de Dom Luciano que aqui se realizou é uma proclamação pública do reconhecimento do testemunho de vida que ele nos deixou, mas é também a expressão do compromisso que assumimos de levar adiante sua mensagem profética: “Não se esqueçam dos pobres”. A Arquidiocese de Mariana não pode se esquecer das grandes lições que Dom Luciano nos deixou, e nós não podemos enterrar a precioso legado que ele nos transmitiu com seu fecundo pastoreio à frene desta Igreja particular.  Sua partida para a Casa do Pai, há 10 anos, deixou um grande vazio e muita saudade. Mas, seus ensinamentos e seu testemunho de vida permanecem vivos entre nós.

Dom Luciano era uma figura extraordinária. Por onde passou, deixou as marcas de uma vida dedicada a Deus, à Igreja e ao próximo, especialmente na Companhia de Jesus, na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, nas Arquidioceses de São Paulo (onde foi Bispo Auxiliar) e Mariana (onde foi o 4º Arcebispo), no Conselho Episcopal Latino Americano – CELAM, na Pontifícia Comissão Justiça e Paz, nos vários Sínodos dos Bispos dos quais participou, na Conferência de Santo Domingo e em tantas outras frentes de sua atuação no Brasil e no exterior. Homem culto, de inteligência privilegiada, de memória prodigiosa, de extraordinária capacidade de trabalho, de fé sólida e espiritualidade profunda, foi ornado por Deus com muitas virtudes, grandes qualidades e admiráveis carismas. As muitas recordações, que se conservam vivas na mente e no coração de tantas pessoas que o conheceram, revelam a autenticidade do seu testemunho de vida. Mas, entre as muitas virtudes, sobressai sua admirável caridade. “Em que posso ajudar?” perguntava Dom Luciano quando percebia alguma pessoa necessitada de colaboração. Era capaz dos maiores sacrifícios para colocar-se ao lado de quem necessitasse de sua ajuda fraterna ou de sua presença solidária. Ele foi um especial dom de Deus sobretudo para os pequenos, humildes, sofredores e pobres.

À luz do Mistério Pascal que estamos celebrando, enxergamos que “nossa morte foi redimida pela morte do Senhor Jesus e na sua ressurreição ressurgiu a nossa vida” como solenemente proclamamos em um dos Prefácios da Páscoa. A memória do décimo aniversário do falecimento de Dom Luciano, é iluminada pela luz de Cristo Ressuscitado. Aliás, em seu próprio nome, Dom Luciano se apresenta como anunciador e portador da luz. Sua presença e sua palavra eram sempre iluminadas e iluminadoras. Quando já se aproximava o término de sua vida terrena, com fé profunda e lucidez extraordinária, ele expressava a certeza de que Cristo o iluminaria na glória que não conhece ocaso.