quinta-feira

, 26 de dezembro de 2024

No aniversário de 60 anos do Concílio Vaticano, Papa Francisco afirma o Concílio nos ensina a estar no mundo como servidores do Reino de Deus

11 de outubro de 2022 Igreja no Mundo

O Papa Francisco presidiu a Santa Missa, na Basílica de São Pedro, na tarde desta terça-feira, 11 de outubro, memória do Papa São João XXIII, e 60° aniversário de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II.

Francisco iniciou sua homilia com a pergunta que Jesus faz a Pedro: “Amas-me?”. Depois da resposta de Pedro, Jesus responde: “apascenta as minhas ovelhas”. “No aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, sentimos dirigidas também a nós, a nós como Igreja, estas palavras do Senhor: Amas-me? Apascenta as minhas ovelhas”, disse o Papa.

Em primeiro lugar, amas-me? É uma interpelação, porque o estilo de Jesus não é tanto o de dar respostas, mas de fazer perguntas, perguntas que provocam a vida. E o Senhor, que «na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos e convive com eles», pergunta ainda, pergunta sempre à Igreja, sua esposa:

«Amas-Me?» O Concílio Vaticano II foi uma grande resposta a esta pergunta: foi para reavivar o seu amor que a Igreja, pela primeira vez na história, dedicou um Concílio a interrogar-se sobre si mesma, a refletir sobre a sua própria natureza e missão. E descobriu-se mistério de graça gerado pelo amor: descobriu-se povo de Deus, corpo de Cristo, templo vivo do Espírito Santo!

Segundo o Papa, “este é o primeiro olhar que devemos ter sobre a Igreja, o olhar do alto. Sim, antes de mais nada a Igreja deve ser vista do alto, com os olhos enamorados de Deus. Perguntemo-nos se, na Igreja, partimos de Deus, do seu olhar enamorado sobre nós. Existe sempre a tentação de partir do eu antes que de Deus, colocar as nossas agendas antes do Evangelho, deixar-se levar pelo vento do mundanismo para seguir as modas do tempo ou rejeitar o tempo que a Providência nos dá e voltar-nos para trás. Mas tenhamos cuidado! Quer o progressismo que segue o mundo, quer o retrocedismo que lamenta um mundo passado, não são provas de amor, mas de infidelidade. São egoísmos pelagianos, que antepõem os próprios gostos e planos ao amor que agrada a Deus, ou seja, o amor simples, o amor humilde e fiel que Jesus pediu a Pedro”.

Amas-Me? Redescubramos o Concílio para devolver a primazia a Deus, ao essencial: a uma Igreja que seja louca de amor pelo seu Senhor e por todos os homens, por Ele amados; a uma Igreja que seja rica de Jesus e pobre de meios; a uma Igreja que seja livre e libertadora. O Concílio indica à Igreja esta rota: como Pedro no Evangelho, fá-la voltar à Galileia, às fontes do primeiro amor, para redescobrir nas suas pobrezas a santidade de Deus, para reencontrar no olhar do Senhor crucificado e ressuscitado a alegria perdida, para se concentrar em Jesus. Quando já se aproximava o fim dos seus dias, o Papa João escrevia: «Esta minha vida, que caminha para o ocaso, não poderia ter melhor coroamento do que concentrar-me totalmente em Jesus, filho de Maria, (…) em grande e continuada intimidade com Jesus, contemplado na imagem: menino, crucificado, adorado no Sacramento». Este é o nosso olhar alto, a nossa fonte sempre viva!

O Papa convidou a voltar “às puras fontes de amor do Concílio. Reencontremos a paixão do Concílio e renovemos a paixão pelo Concílio! Imersos no mistério da Igreja mãe e esposa, digamos também nós com São João XXIII: «gaudet Mater Ecclesia – alegra-se a Mãe Igreja». Seja a Igreja habitada pela alegria. Se não se alegra, desdiz-se a si mesma, porque esquece o amor que a criou. E todavia quantos de nós não conseguem viver a fé com alegria, sem murmurar nem criticar? Uma Igreja enamorada por Jesus não tem tempo para confrontos, venenos e polêmicas. Deus nos livre de ser críticos e impacientes, duros e irascíveis. Não é só questão de estilo, mas de amor, porque quem ama – como ensina o apóstolo Paulo – faz tudo sem murmurar. Senhor, ensinai-nos o vosso olhar alto, ensinai-nos a olhar a Igreja como a vedes Vós. E quando formos críticos e descontentes, lembrai-nos que ser Igreja é testemunhar a beleza do vosso amor, é viver dando resposta à vossa pergunta: amas-Me? ”

Em segundo lugar, Amas-Me? Apascenta as minhas ovelhas. Apascenta: com este verbo, Jesus exprime o amor que deseja de Pedro. Pensemos precisamente em Pedro: era um pescador de peixes e Jesus transformara-o em pescador de homens. Agora atribui-lhe um ofício novo: o de pastor, que nunca havia exercido. E é uma viragem, porque, enquanto o pescador agarra para si, atrai a si, o pastor ocupa-se dos outros, apascenta os outros. Mais, o pastor vive com o rebanho, alimenta as ovelhas, afeiçoa-se a elas. Não está por cima, como o pescador, mas no meio.

Eis o segundo olhar que nos ensina o Concílio: o olhar no meio, estar no mundo com os outros e sem nunca se sentir acima dos outros, como servidores do maior reino que é o Reino de Deus; levar a boa nova do Evangelho para dentro da vida e das línguas dos homens, partilhando as suas alegrias e esperanças. Como é atual o Concílio! Ajuda-nos a rejeitar a tentação de nos fecharmos nos recintos das nossas comodidades e convicções, para imitar o estilo de Deus, que nos descreveu hoje o profeta Ezequiel: «procurarei a [ovelha] que se tinha perdido, reconduzirei a que se tinha tresmalhado; cuidarei a que está ferida e tratarei da que está doente».

Apascenta: a Igreja não celebrou o Concílio para fazer-se admirar, mas para se dar. De facto, a nossa santa Mãe hierárquica, nascida do coração da Trindade, existe para amar. É um povo sacerdotal: não deve destacar-se aos olhos do mundo, mas servir o mundo. Não o esqueçamos! O povo de Deus nasce sociável e rejuvenesce gastando-se, porque é sacramento de amor, sinal e «instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano». Irmãos, irmãs, voltemos ao Concílio, que redescobriu o rio vivo da Tradição sem estagnar nas tradições; reencontrou a fonte do amor, não para ficar a montante, mas para que a Igreja desça a jusante e seja canal de misericórdia para todos. Voltemos ao Concílio para sair de nós mesmos e superar a tentação da autorreferencialidade. Apascenta – repete o Senhor à sua Igreja – e, apascentando, supera as nostalgias do passado, o lamento pela falta de relevância, o apego ao poder, porque tu, povo santo de Deus, és um povo pastoral: não existes para te apascentar a ti mesmo, mas os outros, todos os outros, com amor. E, se é justo prestar uma atenção particular, que esta seja para os prediletos de Deus: os pobres, os descartados, a fim de ser, como disse o Papa João, «a Igreja de todos, e particularmente a Igreja dos pobres».

Em terceiro lugar, Amas-Me? Apascenta – conclui o Senhor – as minhas ovelhas. Não tem em mente só algumas, mas todas, porque ama a todas; a todas designa, afetuosamente, como «minhas». O bom Pastor vê e quer o seu rebanho unido, sob a guia dos Pastores que lhe deu. Quer – e é o terceiro olhar – o olhar do conjunto.

O Concílio recorda-nos que a Igreja, à imagem da Trindade, é comunhão. Em vez disso, o diabo quer semear a cizânia da divisão. Não cedamos às suas adulações, não cedamos à tentação da polarização. Quantas vezes, depois do Concílio, os cristãos se empenharam por escolher uma parte na Igreja, sem se dar conta de dilacerar o coração da sua Mãe! Quantas vezes se preferiu ser «adeptos do próprio grupo» em vez de servos de todos, ser progressistas e conservadores em vez de irmãos e irmãs, «de direita» ou «de esquerda» mais do que ser de Jesus; arvorar-se em «guardiões da verdade» ou em «solistas da novidade», em vez de se reconhecer como filhos humildes e agradecidos da santa Mãe Igreja.

O Senhor não nos quer assim: somos as suas ovelhas, o seu rebanho, e só o seremos juntos, unidos. Superemos as polarizações e guardemos a comunhão, tornemo-nos cada vez mais «um só», como Jesus implorou antes de dar a vida por nós. Nisto, nos ajude Maria, Mãe da Igreja. Aumente em nós o anseio pela unidade, o desejo de nos empenharmos pela plena comunhão entre todos os crentes em Cristo. É bom que hoje, como durante o Concílio, estejam conosco representantes doutras Comunidades cristãs. Obrigado pela vossa presença!

Nós Vos damos graças, Senhor, pelo dom do Concílio. Vós que nos amais, livrai-nos da presunção da autossuficiência e do espírito da crítica mundana. Vós, que nos apascentais com ternura, fazei-nos sair dos recintos da autorreferencialidade. Vós que nos quereis rebanho unido, livrai-nos do artifício diabólico das polarizações. E nós, vossa Igreja, com Pedro e como Pedro Vos dizemos: «Senhor, Vós sabeis tudo; bem sabeis que Vos amamos».

Veja também:
Sessenta anos atrás o primeiro ato do Concílio, porta da Igreja aberta para o mundo