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, 29 de março de 2024

No Dia da Consciência Negra, saiba como é a atuação da Pastoral Afro-Brasileira

20 de novembro de 2021 Arquidiocese

Integrantes da Pastoral Afro-Brasileira com o Arcebispo Metropolitano de Mariana no Fórum Social pela Vida realizado em Barão de Cocais (MG) em 2019. Créditos: Pastoral Afro-Brasileira da Arquidiocese de Mariana

Neste sábado, 20 de novembro, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra. A data, que lembra a morte de Zumbi dos Palmares em 1695, é um convite para refletirmos sobre as questões raciais em nossa sociedade. 

Por essa razão, o Departamento Arquidiocesano de Comunicação (Dacom) conversou com a Coordenadora da Pastoral Afro-brasileira na Arquidiocese de Mariana, Maria José de Souza, sobre a atuação da pastoral e sobre o dia de hoje. 

Maria José é a Coordenadora da Pastoral Afro-Brasileira na Arquidiocese de Mariana. Foto: Arquivo Pessoal

Dacom: Como é a atuação da Pastoral Afro-Brasileira na Igreja no Brasil e, especialmente, na Igreja Particular de Mariana? Quais são as suas frentes de trabalho?

Maria José: De acordo com o estudo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 2002, a Pastoral Afro-Brasileira (PAB) tem como objetivo “celebrar e valorizar as características e a cultura dos afro-brasileiros. A PAB também se propõe a atuar nas necessidades e desafios sociais os quais os negros estão expostos dentro da sociedade, enfrentando discriminação, preconceito, desigualdade, racismo e falta de oportunidades”.

Assim como todas as demais pastorais, a PAB tem uma coordenação nacional composta por religiosos e leigos/as e está presente nos diferentes regionais da CNBB. Na Arquidiocese de Mariana, desde o ano de 2014, a PAB vem se organizando e cada vez mais se consolidando em sua proposta de garantir a presença do povo negro nos espaços eclesiais, políticos e sociais nas regiões pastorais.  

Neste ano, tivemos a oportunidade de participar da consulta nacional da PAB para revisão do Estudo 85 da CNBB que trata da Pastoral Afro-Brasileira e o texto que segue é parte da síntese final das discussões realizadas em nossa Arquidiocese.

Nos últimos sete anos de caminhada em nossa Arquidiocese foram muitas as atividades realizadas para discutir organicidade, para formação, para articulação das regiões e paróquias, para manifestações e celebrações. Neste tempo, foi possível perceber que nossos pés tocam uma realidade social marcada pelo racismo, pelas diversas formas de discriminação dentro e fora da Igreja.

Percebemos que a população negra é a categoria social que mais sofre com as exclusões, sobretudo referente ao mercado de trabalho e aos espaços de poder. É evidente ainda hoje o processo de criminalização da população negra em diversos aspectos. De maneira geral, e considerando as diversas realidades que envolve a população brasileira, a população negra é notavelmente a mais empobrecida e criminalizada.

Antes da pandemia, a PAB Mariana estava em um movimento crescente de organização e articulação das organizações de base, consequentemente, contribuindo fortemente para o envolvimento do povo negro no seio da Igreja, como categoria organizada com incidência nas agendas eclesiais em todas as instâncias. Com a pandemia esse trabalho foi interrompido, contudo, esse movimento deu abertura e incentivou o protagonismo do povo negro na Igreja, criando várias agendas virtuais com inserções e participações em espaços eclesiais e em outros espaços de diálogo e formação ao longo da pandemia.

Destaca-se que a presença de lideranças da PAB, articuladas com a organização do povo negro nas regiões pastorais, tem contribuído nos debates para combater o racismo e preconceito e promover a igualdade nos espaços eclesiais; contribuído para a animação de Comunidades Quilombolas e para a preservação da história e cultura do povo negro com a valorização dos congados, das irmandades negras e outras manifestações afros do território marianense. 

As pistas de ação da PAB na Arquidiocese são: Evangelizar a partir do acolhimento igualitário e respeito às diversidades étnico racial; ajudar a Igreja a apoiar e a criar iniciativas contra o racismo, a discriminação, a exclusão do negro, assumindo posturas em defesa de seu patrimônio cultural, por meio de atividades concretas; promover o diálogo entre indivíduos, a fim de que todos trabalhem juntos por uma sociedade mais justa; articular fé e vida na construção da justiça social.

Assim como Jesus precisou da ajuda de Simão de Cirene (um africano) para carregar a sua cruz, hoje Ele quer contar com cada um de nós, em defesa da vida de muitos, especialmente dos negros e negras assassinados violentamente pelo Brasil e pelo mundo afora, como consequência do preconceito e do racismo.

Romaria do Povo Negro em 2018. Créditos: PAB Mariana

Dacom: Quais são os desafios enfrentados pela pastoral? 

Maria José: No âmbito eclesial clamamos por mais oportunidades de atuação e acolhimento, lembrando que alguns têm vontade de participar, mas sentem vergonha, em decorrência do processo histórico de experiências marcadas por preconceitos e críticas à nossa identidade. Assumir-se negro/a ainda é um desafio e essa realidade é refletida no clero de nossa arquidiocese. 

Em 2021, foi lançado um cadastro de padres negros no Regional Leste 2 da CNBB e apenas três padres da Arquidiocese de Mariana de cadastraram. Diante disso, clamamos para que o clero se aproprie do Estudo 85 da CNBB, para que a PAB seja cada vez mais compreendida e valorizada, assim como, os indivíduos possam se aproximar da identidade e cultura do povo negro, possibilitando assim, o autoconhecimento.

Nosso clamor é pela vida do nosso povo e por políticas públicas que garantam e promovam a vida do povo negro: diante de um cenário marcado pela violência e genocídio da negritude, com destaque para a juventude e para o feminicídio. Vivenciamos uma realidade onde cresce o índice de suicídio e homicídio, sobretudo relacionado ao uso e tráfico de drogas, assim como a violência policial, tendo como principal alvo a população negra. 

Nosso sofrimento, muitas vezes, decorre das balas “perdidas” que encontram nossos corpos e exterminam nosso direito de viver. Frente a isso clamamos por atenção do poder público e por implementação de políticas públicas que visam garantir o nosso direito de viver. 

Clamamos por mudança na relação de trabalho, visto que somos muitas vezes tratados como escravos tanto pela elite quanto por grande parte dos que governaram e governam este país, com suas mentalidades escravistas que emanam preconceitos e retratam o racismo estrutural em suas diversas facetas, que mata nossa gente. Visto que a maior parcela da população negra reside nas periferias das cidades, nosso clamor versa também sobre a garantia do direito de ir e vir, diante do transporte público precário ou até mesmo da ausência dele, que aprofunda as dificuldades para o desenvolvimento da nossa vida cotidiana nos excluindo do acesso e direito à cidade. 

Clamamos pelo direito à segurança alimentar, direito que sempre foi um desafio para o nosso povo e aprofundado durante a pandemia da Covid-19. Clamamos pela oportunidade e direito de acesso ao conhecimento, lembrando de forma especial da população negra que reside em territórios distantes onde faltam recursos e equipamentos públicos básicos. Onde as desigualdades sociais são profundas.

Nosso clamor é pela organização, valorização e reconhecimento do nosso povo, assim como pela manutenção dos direitos duramente conquistados. Clamamos pela ampliação dos coletivos, para que juntos possamos enfrentar as desigualdades e combater o racismo, visto que a organização e luta coletiva nos fortalece tanto como categoria quanto como indivíduos. Desta maneira poderemos avançar ainda mais em direção aos espaços de poder, buscando garantir nossas pautas e nossa voz como sujeitos protagonistas de nossa história. 

Diante do atual cenário político, que evidencia o desmonte do Estado, clamamos pela manutenção dos direitos adquiridos como a certificação das comunidades quilombolas. Frente a esse direito podemos destacar seu desdobramento no plano de vacinação contra a Covid-19 que destacou tais comunidades como categoria prioritária. Essa atitude gerou severas críticas e questionamentos, provocando um mal-estar social e evidenciou mais uma vez a falta de compreensão sobre a realidade do povo quilombola. Neste sentido nosso clamor é para que não percamos nossos direitos até aqui conquistados por falta de conhecimento do povo. Nossa luta por justiça e por igualdade fomenta nosso clamor, para que nossa população negra reconheça e valorize sua identidade enquanto sujeito de direito, observamos que isso ainda é uma dificuldade.

Romaria do Povo Negro realizada em 2018. Créditos: PAB Mariana

Dacom: Qual é a importância de celebrar o Dia da Consciência Negra? O que essa data representa?

Maria José: O mês de novembro é dedicado à consciência negra para lembrar a luta e a resistência de Zumbi dos Palmares que foi assassinado no dia 20 de novembro de 1695. Provocado pela situação em que viviam seus irmãos e irmãs negros escravizados, compreendeu que o seu destino estava ligado à resistência e à luta contra a escravidão, e que não deveria limitar-se a assistir a situação de sofrimento do seu povo. Assim, aos 15 anos de idade, não querendo mais ser escravizado, foge para Palmares, tornando-se, aos poucos, um grande guerreiro; conhece como ninguém o modo adequado de defender e resistir às opressões da escravidão.

O quilombo dos Palmares crescia a cada dia; para lá se dirigiam, além dos negros, indígenas e brancos pobres. Foram mais de cem anos de resistência. Quilombolas. Os palmarinos, embora lutando bravamente, não conseguiram resistir e a maioria morreu lutando. No dia 20 de novembro de 1695, Zumbi foi capturado e torturado. A morte de Zumbi não pode ser interpretada como um fracasso, mas entendida como consequência lógica de sua vida comprometida e doada.

Celebramos hoje a memória ancestral e a imortalidade deste grande líder Zumbi dos Palmares, símbolo da luta pela igualdade racial e contra todo tipo de preconceito e desigualdade. Estamos nas ruas, nas praças, nas câmaras municipais, nas escolas, nas igrejas de todo país para celebrar nossas lutas e fazer ecoar nosso grito, não só neste 20 de novembro, mas em todos os dias do ano porque nossos clamores são muitos e vai exigir de cada pessoa que acredita na vida, gestos e atitudes para ajudar na verdadeira libertação do Povo Negro. Sigamos juntos/as “porque toda consciência negra será necessária enquanto a consciência humana for preconceituosa e racista”.

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