“É apenas através da fé na ressurreição que podemos olhar para o abismo da morte sem nos deixarmos dominar pelo medo. Não só: mas também podemos atribuir à morte um papel positivo”, disse Francisco na Audiência Geral desta quarta-feira.
“São José, padroeiro da boa morte” foi o tema da catequese do Papa Francisco na Audiência Geral desta quarta-feira, 09 de fevereiro
Neste encontro semanal com os fiéis, Francisco “aprofundou a devoção especial que o povo cristão sempre teve por São José como padroeiro da boa morte“. Essa devoção nasceu “do pensamento de que José morreu com a ajuda da Virgem Maria e de Jesus, antes que ele deixasse a casa de Nazaré”. “Não há dados históricos”, ressaltou o Papa, “mas como não se vê mais José na vida publica se pensa que ele morreu em Nazaré com a família e que Maria e Jesus o acompanharam na morte”.
Amados irmãos e irmãs, talvez algumas pessoas pensem que esta linguagem e este tema sejam apenas uma herança do passado, mas na realidade a nossa relação com a morte nunca se relaciona com o passado, mas sempre com o presente. O Papa emérito Bento XVI disse nesses dias atrás, falando de si mesmo, que ele está diante da porta sombria da morte. É bonito agradecer ao Papa por ter essa lucidez aos 95 anos de dizer que está diante da porta sombria da morte. Um bom conselho ele nos dá! A chamada cultura do “bem-estar” procura remover a realidade da morte, mas de uma forma dramática a pandemia do coronavírus voltou a colocá-la em evidência. Foi triste, morte para todo lado. Muitos irmãos e irmãs perderam entes queridos sem poderem estar ao lado deles, e isto tornou a morte ainda mais difícil de aceitar e de elaborar. Uma enfermeira me disse que estava diante de uma senhora idosa que estava morrendo com Covid e ela disse que queria saudar os seus parentes antes de morrer. A enfermeira corajosa pegou o celular e ligou para os familiares. A ternura daquela despedida!
Segundo Francisco, “procuramos de todas as maneiras banir o pensamento da nossa finitude, iludindo-nos em pensar que podemos retirar o poder da morte e afastar o temor. A fé cristã não é uma forma de exorcizar o medo da morte, pelo contrário, nos ajuda a enfrentá-la. Antes ou depois todos nós passaremos por aquela porta”.
A seguir, o Papa disse que “verdadeira luz que ilumina o mistério da morte provém da ressurreição de Cristo. Existe uma certeza, Cristo ressuscitou, Cristo está vivo entre nós e esta luz nos espera atrás daquela porta sombria da morte”.
“Prezados irmãos e irmãs, é apenas através da fé na ressurreição que podemos olhar para o abismo da morte sem nos deixarmos dominar pelo medo. Não só: mas também podemos atribuir à morte um papel positivo. De fato, pensar na morte, iluminada pelo mistério de Cristo, nos ajuda a olhar para a vida com novos olhos”, disse ainda o Papa, acrescentando:
Nunca vi atrás de um carro fúnebre um caminhão de mudanças! Iremos sozinhos, sem nada no bolso do sudário, porque o sudário não tem bolso. Não tem sentido acumular se um dia morreremos. O que precisamos acumular é caridade, a capacidade de partilhar, de não ficar indiferentes às necessidades dos outros. De que serve discutir com um irmão, uma irmã, um amigo, um membro da família, ou um irmão ou irmã na fé, se um dia morreremos? De que adiante ficar bravo, ficar bravo com os outros? Diante da morte, tantas questões são redimensionadas. É bom morrer reconciliado, sem deixar ressentimentos e sem arrependimentos! Todos nós caminhamos em direção àquela porta.
Segundo Francisco, “para nós cristãos permanecem firmes duas considerações. A primeira é que não podemos evitar a morte, e por esta razão, depois de ter feito tudo o que era humanamente possível para curar a pessoa doente, é imoral envolver-se numa obstinação terapêutica”. A segunda consideração diz respeito à qualidade da própria morte, da dor, do sofrimento. “Devemos ser gratos por toda a ajuda que a medicina procura dar, para que através das chamadas “curas paliativas”, cada pessoa que se está a preparar para viver a última parte da sua vida o possa fazer da forma mais humana possível. Contudo, devemos ter o cuidado de não confundir esta ajuda com desvios inaceitáveis que levam à morte. Devemos acompanhar as pessoas até à morte, mas não provocar a morte nem ajudar o suicídio. Saliento que o direito a cuidados e tratamentos para todos deve ser sempre uma prioridade, de modo a que os mais frágeis, particularmente os idosos e os doentes, nunca sejam descartados. A vida é um direito, não a morte, que deve ser acolhida, não administrada. E este princípio ético diz respeito a todos, e não apenas aos cristãos ou fiéis”.
A seguir, o Papa sublinhou um problema social, mas real: “planejamento”. “Não sei se esta é a palavra certa”, disse ele, “mas acelerar a morte dos idosos. Muitas vezes vemos numa determinada classe social que os idosos, por não terem meios, recebem menos medicamentos do que precisariam, e isto é desumano: isto não os ajuda, isto é levá-los à morte mais rapidamente. Isso não é humano nem cristão”.
Os idosos devem ser tratados como um tesouro da humanidade: eles são a nossa sabedoria. Se eles não falam, e se são sem sentido, são o símbolo da sabedoria humana. São aqueles que nos precederam e nos deixaram muitas coisas bonitas, muitas lembranças, muita sabedoria. Por favor, não isole os idosos, não acelere a morte dos idosos. Cuidar de um idoso tem a mesma esperança que cuidar de uma criança, porque o início e o fim da vida é sempre um mistério, um mistério que deve ser respeitado, acompanhado e cuidado.
“Que São José nos ajude a viver o mistério da morte da melhor maneira possível. Para um cristão, a boa morte é uma experiência da misericórdia de Deus, que se aproxima de nós, até naquele último momento da nossa vida”, concluiu o Papa.