Na Audiência Geral da última quarta-feira, 23 de março, o Papa Francisco deu continuidade a suas catequeses sobre o tema da velhice, propondo o exemplo de Moisés que, no fim de seus dias, proclama o nome do Senhor, transmitindo às novas gerações a herança de sua história vivida com Deus. Como seria bonito, afirma o Papa, se a transmissão da fé ainda se realizasse assim, pela boca dos idosos.
Moisés tinha cento e vinte anos, segundo o relato bíblico, no momento em que pronunciou esse cântico e estava no limiar da terra prometida e no final de sua vida. O cântico é uma confissão de fé, afirma o Papa, com a qual transmite a experiência com Deus aos seus descendentes. Poder fazer isso, diz Francisco, é um grande dom para os jovens:
A escuta pessoal e direta da história, da história de fé vivida, com todos os seus altos e baixos, é insubstituível. Lê-la em livros, assisti-la em filmes, consulta-la na internet, por mais útil que seja, nunca mais será a mesma coisa. Esta transmissão – que é a verdadeira tradição! – a transmissão concreta do idoso ao jove, faz muita falta esta transmissão hoje, e ssempre mais, às novas gerações. Por quê? Porque esta civilização novo tem a ideia de que os idosos são material de descarte, os velhos são descartados. Esta é a brutalidade! Não, não está certo! A narrativa direta, de pessoa para pessoa, tem tons e formas de comunicação que nenhum outro meio pode substituir.
Francisco se pergunta se hoje somos capazes de reconhecer e de honrar esse dom que vem dos idosos ou se, antes, tentamos prescindir dele e observa que alguns gostariam até mesmo de “abolir o ensino da história, como uma informação supérflua sobre mundos que não mais atuais, que tira recursos do conhecimento do presente”.
Posso dar um testemunho pessoal. Aprendi o ódio e a raiva à guerra com meu avô que combateu no Piave, em 14 (1914), e ele me transmitiu essa raiva à guerra. Porque ele me contou sobre os sofrimentos de uma guerra. E isso não se aprende nem nos livros ou em outro lugar… aprende-se assim, transmitindo-a dos avós para os netos. E isso é insubstituível. A transmissão da experiência de vida dos avós para os netos. Hoje infelizmente não é assim e pensamos que os avós são material de descarte: não! Eles são a memória viva de um povo e os jovens e as crianças devem ouvir seus avós.
O Papa constata depois que muitas vezes à transmissão da fé “falta a paixão própria de uma ‘história vivida'”. Portanto, carece de capacidade atrativa:
Certo, as histórias de vida devem ser transformadas em testemunho, e o testemunho deve ser leal. A ideologia que curva a história a seus próprios padrões certamente não é correta; a propaganda, que adapta a história à promoção do próprio grupo, não é correta; não é correto fazer da história um tribunal em que todo o passado é condenado e se desencoraja todo futuro. Não. Ser leal é contar a história como ela é, e só quem a viveu pode contá-la bem. Por isso é muito importante ouvir os velhos, ouvir os avós: que as crianças conversem com eles.
Os próprios Evangelhos narram honestamente a história abençoada de Jesus sem esconder os erros, as incompreensões e até mesmo as traições dos discípulos. Esta é a história, é a verdade, isso é testemunho. Este é o dom da memória que os “anciãos” da Igreja transmitem, desde o início, passando-o “de mão em mão” à geração seguinte.
Fará bem nos perguntarmos: quanto valorizamos esta forma de transmitir a fé, passando o bastão entre os anciãos da comunidade e os jovens abertos ao futuro?
E aqui me vem em mente algo que já disse muitas vezes, mas gostaria de repetir. Como a fé é transmitida? “Ah, aqui está um livro, estude-a”: não! Assim, a fé não pode ser transmitida. A fé se transmite em dialeto, ou seja, na fala familiar, dos avós aos netos, entre pais e netos. A fé é sempre é transmitida em dialeto, naquele dialeto familiar e experiencial dos anos. Por isso é tão importante o diálogo em família, o diálogo das crianças com os avós que são aqueles que têm a sabedoria da fé.
Às vezes, eu reflito sobre essa estranha anomalia. O catecismo da iniciação cristã baseia-se generosamente na Palavra de Deus e transmite informações precisas sobre dogmas, sobre a moral da fé e sobre os sacramentos. Mas muitas vezes, porém, falta um conhecimento da Igreja que nasce da escuta e do testemunho da história real da fé e da vida da comunidade eclesial, desde os primórdios até os dias de hoje. Quando crianças aprendemos a Palavra de Deus nas salas de catecismo; mas a Igreja se “aprende” quando jovens, nas salas de aula e nos meios de informação globais.
A narração da história da fé deveria ser como o Cântico de Moisés, como o testemunho dos Evangelhos e dos Atos dos Apóstolos. Ou seja, uma história capaz de reevocar com comoção as bênçãos de Deus e com lealdade as nossas falhas.
Seria belo se houvesse, desde o início, nos itinerários catequéticos, também o hábito de ouvir a experiência vivida pelos idosos, a lúcida confissão das bênçãos recebidas de Deus, que devemos guardar, e o testemunho sincero de nossas faltas de fidelidade, que devemos reparar e corrigir.
Os anciãos entram na terra prometida, que Deus deseja para cada geração, quando oferecem aos jovens a bela iniciação do seu testemunho. Então, guiados pelo Senhor Jesus, idosos e jovens entram juntos no seu Reino de vida e de amor.
“O Senhor disse [a Moisés]:” Esta é a terra que prometi a Abraão, Isaque e Jacó, “‘Verás, pois, defronte de ti a terra que darei aos israelitas, mas não entrarás nela!'”
Texto: Adriana Masotti – Cidade do Vaticano
Foto: Vatican Media