“Disseram que estamos em 400 pessoas aqui. Eu quero dizer a vocês que eu trouxe mais quase 300 pessoas para participar deste fórum conosco, que são essas fotos dos nossos irmãos e irmãs que a Vale matou em Brumadinho”, disse o bispo auxiliar de Belo Horizonte, Dom Vicente de Paula Ferreira, durante a conferência “Igreja e Mineração”, na tarde desta sexta-feira (27), no Ginásio Poliesportivo de Barão de Cocais.
As fotos a que Dom Vicente se referiu emolduraram o corredor da divisa das cadeiras na quadra. Eram precisamente 270 rostos, dos quais 249 vinham com a indicação “encontrado”. Vinte e um aguardam a chance do mesmo reconhecimento.
“Nesses oito meses, quando a gente pensou que não ia conseguir nada e até desanimava pela força física, a gente sempre olhava essas fotos e dizia: não, pelo amor de Deus. Eu não posso me acomodar”, disse Dom Vicente emocionado. Em homenagem as vítimas, o bispo cantou e tocou a música “Lamento”, composta por ele mesmo um mês após a tragédia.
“Bruma de Brumadinho se foi embora, seu povo chora, dor que dói demais. Cada olhar é lágrima, nuvem que pesa, mas a gente reza, implorando paz”, diz a letra.
Mais do que mera recordação, as 270 fotos tem outro objetivo: salvar vidas. “Queremos que as mortes dos nossos amigos sejam especiais; e o nosso maior medo é que eles tenham visto apenas o começo. A gente sabe que se não continuar gritando e denunciando, esse crime vai se repetir”, disse a articuladora social pela Arquidiocese de Belo Horizonte em mediação de conflitos das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem em Brumadinho, Marina Paula Oliveira. “Que essas vidas ceifadas sirvam para salvar outras vidas, como as de Barão de Cocais, de Congonhas, de Macacos, e de tantas outras cidades que estão correndo o mesmo risco que nós”.
Memória
“Deus nos escolheu para gritar por essas pessoas que já morreram”, sublinhou Dom Vicente, ressaltando a necessidade de se lembrar das vítimas em todas as lutas. Ele também destacou que a humanidade precisa de uma nova revolução: a ecológica. “Ou nós fazemos uma revolução ecológica rapidamente ou não teremos tempo para mais nenhuma revolução. Não teremos”.
Ressaltando o egoísmo humano, o bispo lembrou que a vida deve ser defendida em todas as expressões porque sem ela “não existiríamos. […] Achamos que podemos fazer qualquer coisa com animais, plantas, rios. E não podemos. Nós estamos acompanhando a degradação dos 4 elementos básicos que nos mantém vivos: água, fogo, ar e terra.
Mais cedo, a professora e doutora em Ciências Sociais, Carlúcia Maria Silva, responsável pela fala sobre Políticas Públicas, havia ressaltado que os cristãos não podem se omitir porque “a história vai nos cobrar, e as gerações futuras também. Que Deus nos fortaleça nesse compromisso que passa pela Igreja, mas também pela transformação da sociedade que temos”, disse.
Carlúcia lembrou aos participantes a importância de absorver e pôr em prática os ensinamentos do Fórum. “Nós não estamos aqui apenas pra passear. Estamos aqui com a tarefa de tornar esse mundo melhor e deixar pra aqueles que vierem atrás de nós, um mundo melhor que encontramos. Isso é uma tarefa de todos. E nós que nos dizemos cristãos batizados, participantes dessa ou daquela pastoral, desse ou daquele movimento, mais responsáveis somos”.
Fim do segundo dia
Após as conferências, os participantes tiveram a oportunidade de tirar dúvidas e fazer comentários. Em seguida, houve um momento para que os que trouxeram sementes e mudas de casa pudessem trocá-las. Após o jantar, todos foram encaminhados para as comunidades de Barão de Cocais, onde amanhã (28) irão participar das formações e oficinas de um dos Eixos escolhidos na inscrição: Dignidade Humana, Estado do Bem Viver, Água, Minério e Energia, Saúde e Segurança Alimentar, Justiça Restaurativa e Juventude.