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Quatro anos de espera e saudade

05 de novembro de 2019 Arquidiocese

Mariana, 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão se rompe, destrói os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, mata 19 pessoas, acaba com a biodiversidade do Rio Doce e percorre mais de 800 km, chegando até o litoral do Espírito Santo. Quatro anos depois, centenas pessoas que foram atingidas ainda esperam para serem indenizadas e receberem suas casas de volta.

“A cada ano que passa tudo muda, não estamos vivendo por nós mesmos. Desde 2015 estamos vivos, mas não sabemos o que nos espera, não sabemos se amanhã vamos acordar, se teremos uma casa para morar, uma cama para dormir. Hoje, precisamos pedir permissão para tudo. Nossa vida mudou, nossas crianças não brincam mais, os jovens passa o tempo no celular trancados no quarto”, afirma a atingida de Bento Rodrigues, Rosilene Gonçalves da Silva.

A dor da perda e a luta pela garantia de direitos é algo constante na vida Rosilene e várias outras pessoas. “O cansaço e o desânimo diante de tanto tempo sem respostas concretas é um grande desafio enfrentado pelos atingidos”, afirma o coordenador da assessoria técnica da Cáritas Regional, Gladston Figueiredo. “Muita coisa ainda não avançou. Está iniciando a fase das indenizações, um processo que tem sido muito complicado e que as empresas não têm respeitado os direitos dos atingidos, têm apresentado propostas de indenizações pífias e que vão demandar que os atingidos judicializem para receber uma indenização justa, o que prevê uma longa batalha pela frente’, ressalta Gladston.

Segundo ele, não só nas indenização, mas o processo de reassentamento familiar e coletivo também enfrenta percalços muito grandes. “O processo de reassentamento ainda é um processo muito grande. Existem muitas famílias insatisfeitas com esse processo. A previsão de encerramento é uma boa pergunta para ser feita para a Renova. Não temos nenhuma previsão de encerramento”, disse. Mesmo com os terrenos do reassentamento já escolhidos, nenhuma casa foi finalizada ou entregue às famílias. 

Um desafio diário

Os desafios das pessoas que perderam tudo é constante. Rosilene ressalta que a luta é diária. “Sempre aparece alguma pessoa fazendo perguntas desagradáveis que a vontade é de não responder. Morar na cidade não é fácil. O que mais queremos é estar todos juntos de novo. Tem algumas pessoas que não vimos desde 2015. Um deles faleceu tem uma semana. Nossa comunidade tem muitos idosos, alguns já morreram e vai ficando um vazio enorme, pois sabemos que o sonho era voltar todos juntos e isso não vai acontecer”, destaca Rosilene.

Ela também sublinha que a vida ficou sem rumo. “Tem vez que as lágrimas saem sem a gente querer, principalmente quando estamos só. A poucos dias ouvi minha mãe dizer ‘a pior coisa é estar só”. Isso me faz chorar. Quando estávamos lá no Bento minha casa sempre estava cheia de gente, o dia todo,  Aqui eu fico só, pois todos estão longe”, disse.

Rosilene acrescentou que hoje eles vivem em meio as lembranças e os obstáculos.  “As coisas não são fáceis. Ao mesmo tempo que anda, parece voltar atrás. Ainda temos medo de dizer de onde somos, porque percebemos que somos tratados com diferença quando dizemos de onde viemos. Não está sendo fácil viver aqui. É muito ruim viver monitorados por chefes. Estamos presos, vivemos vigiados. O que nos mantém vivos até hoje é Deus”, finaliza Rosilene.

Barra Longa  

A cidade de Barra Longa (MG) foi o único centro urbano atingido pela lama da barragem de Fundão, que destruiu casas, alagou ruas e mudou completamente o perfil da cidade. Quatro anos depois e inúmeros problemas ainda fazem parte da rotina dos moradores. 

“A realidade da cidade é  mesma realidade de toda a bacia. É um reassentamento que ainda não foi feito. São casas que ainda não foram reformadas,  são terrenos que ainda não foram limpos da lama, são pessoas que ainda não foram indenizadas, vários garimpeiros e pescadores que ainda não foram reconhecidos, uma boa parte da população de Barra Longa que ainda não recebeu o cartão. Assim como em toda a bacia, a nossa realidade é a mesma. Estamos a mercê de um povo que não está preocupado com a gente e sim com os lucros da mineração”, disse Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio).

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